25 de jul. de 2007

O Fim da Educação

Não é de hoje que a coisa vem piorando. Paciente com enfermidade crônica, a educação no Brasil não vem recebendo medicamentos. Está condenada a morrer por omissão de socorro na porta do hospital da vida.
Mas o triste disso tudo é que a responsabilidade por essa situação é atribuída á própria educação. Ou então se joga a culpa nos professores, nos estudantes, na família, na sociedade. Mas na realidade, a quem interessa que a educação morra? A quem interessa o fim da Educação? ao, mais ainda, o que é educação?
O fato é que a Educação não é responsável pela sua enfermidade. A causa do problema deve ser buscada num nível mais profundo. É necessário analisar as várias causas, estruturais, do problema.
Então, reflitamos o problema: O professor é mal remunerado e com isso desincentivado... Em geral recebe muitas cobranças e poucos incentivos. Embora apaixonado pela arte de ensinar, o professor precisa sobreviver. Portanto não se estranhe se ele precisar deixar a sala de aula para sobreviver e alimentar seus filhos. Só o amor não alimenta. E se não deixa de ser professor se sobrecarrega com várias horas de aula. Com dupla jornada, trabalhando em várias escolas, indo além do que um mortal pode suportar.
Além disso, não é estranho a ninguém o aumento do desrespeito, da superposição de obrigações jogadas sobre a escola e sobre os ombros do professor. Crianças ou adolescentes e jovens delinqüentes são jogadas, por determinação judicial, dentro do pátio das escolas, fazendo com o que a instituição escolar, que já tem seus problemas específicos, seja obrigada a conviver com problemas que deveriam ser tratados por psicólogos, carcereiros, polícia... – digo conviver por que não irá solucionar o problema, antes, pelo contrário, aumentará o problema, pois além dos que já enfrenta, recebe um outro que não é de sua alçada. E dessa forma o poder público diz que está resolvendo, quando, na verdade, está se esquivando e passando sua responsabilidade para outros.
Gostaria de saber se um juiz, um promotor ou alguém que toma essas decisões estapafúrdias gostaria que seu filho convivesse, diariamente, no pátio escolar, com delinqüentes. Não só conviver, mas sofrer as ameaças, as agressões ou as influências desses que são obrigados por decisão da lei, a permanecer na escola – não estou dizendo que não têm direito à educação escolar! Estou afirmando que o atual sistema escolar não tem os recursos materiais e humanos para dar esse atendimento.
E a mesma lei que é usada para manter o bandido no pátio escolar, não obriga o Estado a arcar com profissionais qualificados e treinados para dar segurança e acompanhamento específico a essas crianças e adolescentes.
A família passa por uma crise de desestruturação. Os lares foram invadidos pelas gangs de droga, do desrespeito, da irresponsabilidade. Há tempo morreu o que se pode chamar de expectativa de futuro melhor. Para os jovens, para as famílias e para o Brasil. E quem saiu perdendo nisso foram às famílias... (E a escola!).
E mais ainda. Como um pai de família pode educar seu filho se precisa sair de madrugada para o trabalho, voltando já tarde da noite, cada dia mais cansado... e cada vez mais na miséria?... Isso quando não chega de um trabalho e tem que sair para outro, para complementar a renda a fim de alimentar a família.
O que sobrou para a sociedade? Para superar o que era arcaico a nossa sociedade acabou perdendo a noção do valor humano. Onde estão os valores da entre-ajuda, da solidariedade, (da Justiça), do amor á pátria, da verdade? Do respeito à pessoa, do respeito aos símbolos ...
Não quero voltar ao passado, mas novamente estamos precisando de um Diógenes que saia às ruas com uma lanterna na mão, em pleno meio dia para procurar um homem. Nossa sociedade precisa de homens e mulheres com sólidas raízes no futuro, trazendo luzes para nosso tenebroso presente.
Nisso tudo a vítima maior não é a educação... (que já está condenada). Nem os professores... condenados a dobrar carga horária atrás de salário. Nem são as escolas, entregues a depressão, matagais, insetos, gangs (retrato dolorido duma sociedade deseducada e incapaz). Também não são os estudantes que não têm perspectiva nem de trabalho nem de desenvolvimento: as oportunidades estão se acabando.
As vitimas mais atingidas são nossos filhos, os estudantes, atingidos pelos descaminho em que entrou a sociedade. As maiores vitimas, dessa situação catastrófica são as futuras gerações, as quais, como ainda não têm poder de decisão, são obrigadas a engolir o que a mídia impõe. As maiores vitimas somos nós mesmos, remoídos pelo grito de nossa consciência omissa, abraçada com a indiferença.
Enquanto isso a educação continua HOSPITALIZADA: e os órgãos governamentais desculpando-se e alegado falta de verbas; enquanto isso o dinheiro público é esbanjado em propaganda de auto-promoção ou inauguração de obras inacabadas; enquanto isso os tecnocratas, burocratas e muitos gestores dos destinos da nação se empanturram com o dinheiro público – o mesmo que é negado para a melhoria do salário do professor... ou do ambiente escolar
E lá, no hospital da vida, os interesses capitalistas continuam matando a educação. E isso continuará até que seja tarde demais... ou até que nós tornemos uma providência...

Neri de Paula carneiro
Filósofo, Teólogo, Historiador

Medo criativo e a angústia da existência

O que somos nós? De onde viemos e para onde vamos?
Essas são algumas das indagações que movem a humanidade. Claro que existem outras, por exemplo: o que vou comer no almoço? Será que terei o que comer? Poucos se perguntam, por exemplo, sobre o que acontecerá se continuarmos agredindo a natureza. Claro, também, que tem perguntas que raramente as pessoas se fazem: para onde vai a luz quando desligamos o interruptor? Qual é a cor daquela calça amarela, quando o guarda-roupa está no escuro?
Mas as indagações essenciais permanecem. E, às vezes se desdobram em outras, principalmente quando começamos a respondê-las: Somos o que somos? Somos o que queremos ser? Somos o que sonhamos ser? Ou não somos? Afinal, quem e o quê somos?
Vou me atrever a dar uma resposta: Somos o resultado de nossos medos! Somos humanos, e como tal, movemo-nos a partir de algumas características: a insatisfação, o medo, as indagações...
Primeiro somos insatisfeitos: se com fome, queremos a saciedade; alimentados queremos repouso; repousando queremos emoções... e dessa forma, por sermos insatisfeitos vamos construindo, descobrindo, inventando – quebrando a cara, também! – mas em todos os casos vamos alterando o mundo e a nós mesmos. E permanecemos insatisfeitos e, por isso, buscando!
Por causa da insatisfação e junto dela, somos medrosos. Temos medo de tudo. Até de admitir o medo – lembremo-nos de algumas músicas do Raul Seixas! Temos medo da verdade e tememos a mentira. Temos medo do desconhecido e tememos a busca do seu entendimento. Temos medo da morte e não preservamos a vida. E, por medo, nem sempre nos damos conta de que o medo não é sinal de fraqueza nem covardia: é mecanismo de preservação; é um dos instrumentos que utilizamos para nos mantermos vivos; é um dos mecanismos de que nos utilizamos para tentar satisfazer algumas de nossas necessidades ou suprir algumas de nossas insatisfações. Só que por medo da insatisfação ou de não termos nossas necessidades atendidas, permanecemos com medo e insatisfeitos.
Em vista disso nos interrogamos: como superar o medo e satisfazer a insatisfação? Outra indagação é sobre o sentido da vida. Como a percebemos sem sentido, mas apegados a ela, buscamos, desesperadamente, dar-lhe sentido. Criamos sentido! – por vezes absurdos! Nossas indagações nos levam, muitas vezes a respostas falsas. Nossas indagações nos levam a inseguranças, pois nos defrontamos com a falta de sentido da vida e a inconsistência de nossas respostas e das nossas verdades.
Embora não tenhamos coragem de admitir, a vida, e o viver, são situações desprovidas de sentido: ou tem sentido levantar-se de manhã, quando se quer permanecer dormindo ou pelo menos na cama – com ela (ou ele), de preferência? Tem sentido ir para um trabalho chato, quando se quer fazer nada, viver no ócio? Tem sentido passar a vida fazendo algo que não gostamos, só para manter as aparências? Tem sentido trabalhar feito um burro de carga, e ver o fruto do trabalho enriquecer a outros? Tem sentido fazer tudo o que fazemos, até tentando acumular riquezas, para morrer e não levar nada?
(Pare um pouco e veja quão sem sentido é a existência. Veja como você vive insatisfeito, muitas vezes melancólico – e supere o medo de admitir que, sua insatisfação ocorre porque você não encontrou o sentido do seu existir!)
Como disse, ao percebemos a falta de sentido da existência, criamos sentidos para existir. E, muitas vezes esse sentido é colocado num ser ou numa realidade transcendente. Sagrada! É colocado num além indefinido e indefinível, fruto da imaginação. Criamos o sagrado para dar sentido à vida e ao existir.
Mas temos medo dessa realidade. E por medo dela e de perdê-la, perdendo até esse sentido, nos furtamos a refletir sobre ela. Não temos coragem de colocá-la em discussão. Por medo permanecemos na dúvida. E na dúvida, criamos os dogmas, criando, com isso uma certeza artificial, falsa! Em nome do dogma nos negamos o direito de questionar. Em com isso volta o problema que mantém a angústia do ser humano: o imponderado do seu destino. E sua dúvida cruel: de onde vim? Para onde vou? E reaparece o medo!
Essa angústia faz de cada um de nós, pessoas, ao mesmo tempo insatisfeitas e apegadas a algumas explicações. Alguns nos agarramos à religião. Mas a religião não satisfaz. E por medo não nos libertamos na fé, pois a fé, embora dissimule o medo, mata a curiosidade e não satisfaz. Alguns se apegam à ciência, que também não satisfaz, pois a cada certeza apresentada depois de uma pesquisa científica, produz outras dúvidas. Resta à filosofia a função de explicar essa situação, mas a filosofia também não satisfaz, pois antes de dar respostas acrescenta mais dúvidas às duvidas.
O homem é insatisfeito e por isso busca. Quanto mais busca, mais explicações contraditórias encontra. Por isso mais se angustia, pois nada cura seu medo. Nada lhe dá certeza. E assim vai construindo, criando, evoluindo. E quanto mais cria, mais constrói, mais inventa, mas evolui... mais percebe que nada disso tem sentido. E lança-se cada vez mais desesperadamente na busca desse sentido.
E assim vive o ser humano, sem sentido de viver, mas construindo sentido para a existência. Angustiado e atormentado por seus medos, mas construindo, nem que seja artificialidades que o mantêm insatisfeito, com medo e se perguntando pela resposta definitiva, que nunca encontrará.
Neri de Paula Carneiro
Filósofo, Teólogo, Historiador

Vagabundo?

Existe um ditado falso, por sinal, afirmando que “cada povo tem o governo que merece”.
Nada mais falso e maldoso do que afirmar isso. Duas afirmações de governantes comprovam isso. Claro que a população – os eleitores – é ultrajada constantemente pelo poder público. Desde o fato de ter que esperar numa ante-sala (para não ser atendido, ou ser mal atendido) até os projetos e leis anti-população. São muitos os exemplos em que representantes dos três poderes dão cascudo nos seus patrões, os contribuintes. Poderia fazer um rosário de situações em que isso ocorre ou poderia mencionar um tanto de vezes que eu próprio fui ultrajado. Não é a toa que os espanhóis forjaram aquele ditado tão real em nosso meio: “aos amigos os favores da lei; aos inimigos os rigores da lei”. Perceberam onde nasce a corrupção?
Mas não vamos aqui comentar essa dimensão da afronta a que é submetida a população. Vamos nos concentrar a duas agressões. Nós, os contribuintes, fomos agredidos em duas situações diferentes, em épocas distintas e por personagens alternados – alterados – recebemos o mesmo rótulo: VAGABUNDO.
Na primeira vez foi o Presidente da República e na outra o prefeito da maior cidade do país. Claro que nas duas vezes o destinatário imediato do rótulo – para não dizer xingamento – eram interlocutores do boca suja. Mas nas duas vezes se tratava de um membro do executivo eleito diretamente pela população – ou uma pequena parte da população. E, portanto, seu ato reflete-se não somente sobre o indivíduo-vítima, mas para a população como um todo. Mesmo que tenha sido eleito por uma parcela muito pequena da população – considerando os não eleitores, os não votantes, os que se abstiveram, votaram branco ou anularam o voto e, principalmente, os que votaram contra, por terem votado em outros candidatos – cada personagem eleito elege-se com um percentual bem reduzido do universo total da população. Mas, pela lei, representa toda a população (outra conversa é o questionamento sobre a legitimidade da lei!) E seus atos, portanto não são atos dirigidos para indivíduos, mas para a população.
O primeiro, um presidente, de triste memória, pelos tantos escândalos abafados em seu governo, chamou de vagabundos aos que questionavam seu projeto de alteração na aposentadoria. Lá com as palavras dele disse que quem deseja se aposentar é vagabundo – ele que na época já era aposentado como professor! O segundo, um prefeito em início de mandato – então já dá para imaginar o que ainda se pode esperar dele! – chamou um trabalhador de vagabundo. Notemos que esse trabalhador questionava uma lei paulistana que cerceava um campo de trabalho, ganha-pão de muita gente.
Nos dois casos, com quase uma década de distância, a mesma palavra de origem latina. Segundo o “Aurélio”, trata-se de uma pessoa que “leva uma vida errante; que vagueia; vagamundo, vadio, erradio, errante, nômade, andejo, mundeiro. Inconstante, volúvel, leviano. Velhaco, pelintra, canalha, biltre. De má qualidade; reles, ordinário. Troca-pernas. Indivíduo desocupado, ocioso”. Portanto nada que se assemelhe a um “muito obrigado, senhores eleitores, contribuintes, meus patrões, pelos votos a mim confiados”.
Agora vejamos. Quem busca aposentadoria? Pessoas que já trabalharam por um período de tempo considerável. E que contribuiu, com o fruto do seu trabalho, para a previdência social que é a instituição que paga a aposentadoria. Portanto, quem pede aposentadoria é alguém que está ou esteve trabalhando – e pede de volta o dinheiro que é seu, pois lhe foi descontado do salário! Quem foi o senhor escorraçado pelo prefeito? Um trabalhador, colocando seu problema por estar sendo impedido de exercer uma atividade. Portanto alguém que pode até não estar trabalhando, por força de uma lei municipal, mas que deseja trabalhar – tanto que estava interpelando o prefeito!
Nos dois casos, tratou-se de pessoas idosas e que já trabalharam muito durante suas décadas de inserção no “Mercado de Trabalho”. Mais ainda. Tratou-se de pessoas que produziram – ou produzem – riquezas, bens, serviços. Isso por que estamos considerando apenas os indivíduos diretamente insultados. Mas como se trata de um homem público, com poder legalmente instituído, representam toda a população e quando falam ou agem seus atos ou palavras atingem a toda a população.
Agora, alguém ai, me diga: o que produzem os tais homens públicos? O que produzem os políticos? Quais os benefícios que produzem para a totalidade da população de que são representantes?
Observando atentamente poderemos constatar que a ação dos “homens públicos”, dos políticos de modo geral, são atos que produzem mal-estar na população – não estamos querendo negar que existem aqueles que se beneficiam, que levam vantagem, que tiram proveito pessoal! Estamos falando da população como um todo e não daqueles gatos pingados que sobrevivem de uma atividade chamada “puxa-saquismo”.
O que produzem os políticos, além do infindo “cordão de puxa-sacos”?
O que produzem aqueles que são chamados de “vagabundos” é a riqueza do país. O progresso da nação. O desenvolvimento, cujos resultados são engolidos pelos corredores do poder e da corrupção.
Portanto se tem algum vagabundo nessa história não são aqueles que assim foram chamados – a população brasileira – por aqueles que deveriam representar a população. Se existe algum vagabundo, com todos os significados da palavra, esses são aqueles que assim chamam a população.
Neri de Paula Carneiro
Filósofo, Teólogo, Historiador