29 de ago. de 2007

A caminho da paz

O titulo acima é uma tradução da expressão latina “in viam pacis”. Gandhi afirmava que não havia caminho para a paz, ela é o caminho. Se a paz é o caminho,como podemos entendê-lo? Se a paz é o caminho, o conceito mesmo de caminho adquire uma dimensão profunda, radical e filosófica.
O termo caminho deriva do Latim “caminu”, entretanto é no Grego que existe maior riqueza de sentido e sutileza,pois caminho, para os gregos , podia ser concebido a partir de três idéias básicas, são elas:” odós “(caminho de um modo geral),” kèleuthos”(caminho estreito que tem atalho) e “atarpón”(caminho tão estreito que não se pode dar volta).
Dessas três idéias,tiram-se três visões de caminho conotativamente falando com relação à paz: 1. caminho enquanto condições ou possibilidades às quais todos têm acesso no que tange a paz; 2. Caminho enquanto dificuldades inerentes aos atos pacíficos,porém com chance de sucesso; 3. Caminho enquanto estado de paz ,sua garantia e permanência.
Diante desses caminhos, pergunto: por que não acolhê-los? O que nos impede de escolhermos a via da paz?

Everaldo Lins de Santana

28 de ago. de 2007

Filosofia Africana

O adjetivo “africana”, acima mencionado e que qualifica a palavra filosofia, é formado a partir do termo “África” que, segundo alguns estudiosos da linguagem, deriva do Grego “aphriké”, do Berbere “awrigas”, de “afryquah” significando colônia, e do Latim “aprica” significando “exposto ao sol”.
Desse último significado da palavra África, ou seja, exposto ao sol, e da inconstância sócio-econômico-política do continente africano, forja-se falaciosamente a idéia de que o povo africano não tem “queda” para filosofia, não tem “cabeça” para abstração, para metafísica. Será isso verdade? Não há nessa opinião um preconceito que remonta a Homero, Aristóteles, Platão e outros?
A expressão ”filosofia africana” pode parecer estranha para muitos, no entanto, o povo africano filosofa, tem “cabeça filosófica”. Senão vejamos: Metafisicamente falando, os africanos possuem palavras e termos que remetem à idéia, a conceitos ontológicos, tais como, em Iorubá (língua africana): “ni” significa ser, ”mõ” significa conhecer, ”ofifo” significa o nada.
Em Banto (outra língua africana): “ntu” expressa a idéia de ser. A partir do conceito de ser (ntu), a cultura banta deriva quatro categorias de tudo o que se pode conhecer: 1. “muntu” conceitua o ser-de-inteligência (o ser humano); 2. “kintu” significa o ser-sem-inteligência (as coisas); 3. “hantu” expressa o ser-localizador (lugar-tempo); 4. O ser-modal (modificação do ser).
Além dessas quatro categorias, na filosofia africana, especificamente a filosofia banta, são de suma importância estes conceitos: unificação de lugar e tempo, distinção entre o existir e o viver
Os bantos (etnia africana) chegam à idéia de que lugar e tempo são concomitantes, baseados na localização dos existentes, uma vez que "qualquer existente, assim que surge, supõe necessariamente o antes e o depois".Ao lado disso, a diferença entre o existir e o viver se faz, na filosofia banta, da seguinte forma: o existir é abrangente, geral, universal; enquanto que o viver é um momento do existir, é uma particularidade do existir.
Convém observar que alguns pensadores africanos entendem que os conceitos filosóficos chegam a eles através da música, da percussão, da religião e da dança.
Vê-se, dessa forma, que não há uma filosofia branca nem uma filosofia preta. Há, apenas, filosofia.
Everaldo Lins de Santana - Filósofo

27 de ago. de 2007

TA NA HORA

Ouvi alguém dizendo, com tristeza na voz:
Amazônia, terra rica, não pertence mais a nós.
É a privatização. É saúde, educação.
E agora vejam só: Estão querendo até nosso chão.

Sei que sou criança e tenho muito que aprender
Existem coisas que chateiam, mas eu tenho que dizer.
Tem gente dizendo: não somos brasileiros;
Qualquer dia acordamos e seremos estrangeiros.

Que furdúncio minha gente? Tá na hora de acordar
Este chão é todo nosso, não podemos entregar
Brasil, mostra tua cara, manda o gringo para lá
Esta terra já tem dono; e aqui vamos ficar

A tal dívida externa que o governo assumiu
Está grilando nossa terra, estão tomando o Brasil.
Nos mandaram um recado: Se não tem como pagar
Entrega logo a Amazônia, isso só pra começar.

Idalina V. Sanfelicce

Sobre a paz

O filósofo Sêneca afirmava que os homens foram criados para se ajudarem mutuamente; em Latim ele dizia “homo in adjutorium mutuum generatus est”.
Em relação à paz, os homens juntaram esforços concretizados no fato de que no século XV, Jorge de Podriebrady, da Boêmia, ter apresentado ao rei Luiz XI da França um projeto de paz.
Outras atitudes foram tomadas como: a fundação da primeira sociedade pacifista do mundo, no ano de 1810 em Boston com o nome de Sociedade Americana da Paz; no ano de 1816, foi criada na Inglaterra a Sociedade da Paz; nos anos de 1821 e 1830 respectivamente na França e na Suíça foram criadas fundações pacifistas; já em 1849 realizou-se em Londres e Paris o primeiro congresso sobre a paz. Além disso, na primeira conferência da paz, em Haia, em 1899, representantes de 27 nações firmam convênio para o ajuste pacífico dos conflitos internacionais. E em 1913, inaugurou-se solenemente o Palácio de Haia, conhecido como o templo da paz.
Todos esses foram esforços para sistematizar e vislumbrar o que futuramente será chamado de “cultura da paz”.

Everaldo Lins de Santana

24 de ago. de 2007

O CARNAVAL

Carnaval não existe só do Brasil. Existe no mundo todo desde há muito tempo.
No Egito, há quase 10 mil anos já se festejava os deuses Isis e Osiris com dança e cantoria em volta de fogueiras.
Na Grécia havia uma festa em que bebia-se vinho e comia-se bastante, agradecendo ao deus do vinho, Dionísio. A mesma idéia encontra-se nas festas ao deus Baco, de onde se originaram os Bacanais, em Roma. Entre os judeus, havia a festa do pão novo, como agradecimento pela colheita e como forma de esvaziar os celeiros. Outros povos antigos também faziam festas comemorativas e de agradecimento aos deuses da fertilidade pela fartura das colheitas. Nessas festas não faltava comida, bebida, alegria e relações sexuais, para evidenciar a fertilidade.
Como hoje, havia divisão social-econômica com ricos e pobres, muitas vezes em atritos e conflitos. Daí a necessidade de válvulas de escape. Uma delas eram as festas populares com comida, bebida e sexo. Em muitas dessas festas os foliões usavam máscaras, simbolizando a inexistência de classes sociais.
O significado da palavra é incerto. Para alguns a origem da palavra Carnaval é carrum navalis (carro naval – um carro alegórico da festa romanas antiga). Essa etimologia é duvidosa. Quando a festa foi ligada ao cristianismo passou-se a associar a expressão “carne levare”, afastar a carne, como sendo um último momento de alegria e festejos profanos antes do período de abstinência e tristesa da quaresma.
Ao ser associada à quaresma sua data foi vinculada à Páscoa deixando de ser ligada à fertilidade e à Natureza. Em qualquer caso, a festa se origina em momentos importantes da vida: colheitas, para alimentar a vida, bebida, para alimentar a alegria e sexo para alimentar a procriação e perpetuar a espécie. Depois associada à Páscoa, para alimentar o renascer em uma nova vida. O fato é que, em todos os casos, está associado à alegria.

Neri de paula Carneiro
Filósofo, Teólogo, Historiador

18 de ago. de 2007

Dinâmicas para aulas de Filosofia.

a- SUGESTÕES METODOLÓGICAS:

-Superar o pré-conceito: O Professor precisa superar preconceitos e posições pré-concebidas de política partidária, religião, opção sexual...
-dinâmica de grupo: o professor precisa ter digerido bem o texto entendendo bem seu significado para poder propor questões interessantes a partir de um texto ou problemas interessantes.
- leitura de textos literários com alguma mensagem ou problema do cotidiano do estudante (droga, namoro, sexo...).
-Teatro: organizar apresentações teatrais a partir da leitura de textos ou de situações...
-Músicas/Paródia: ouvir músicas e elaborar paródias a fim de desenvolver o espírito e a capacidade criativa.
-Reproduzir: Através de desenho, colagens, nova redação... para um texto/problema/idéia já existente
-Interpretar desenhos, charges..
-O professor precisa ter claro que A melhor técnica / dinâmica / metodologia NÃO EXISTE. O que deu um excelente resultado em alguma atividade com uma turma, pode ser infrutífero com outra. O que dá para fazer é adaptar, recriar, reciclar.

b- Para dinamizar as aulas...

Eis algumas dicas que podem ajudar qualquer professor. Mas que podem dar excelentes resultados nas aulas de filosofia e de sociologia. E, talvez, mais de filosofia que qualquer outra área. Entretanto, como qualquer outra, estas dica não podem ser absolutizadas. É necessário aproveitar o saber dos alunos e criar sempre...

1- Como dar uma boa aula de filosofia
Não existe regra.
Depende da criatividade e dos conhecimentos prévios do professor.
Um professor de filosofia não se equivale ao de português ou de matemática. Ele precisa ser leitor atento, ler muito, ter conhecimentos de várias áreas. Gostar da dúvida e não se sentir dono da verdade.
Mesmo quando os alunos tentem “coloca-lo na parede” o professor precisa manter a atitude humilde de quem sabe que não sabe, pois os alunos também possuem seus saberes.
Sendo uma disciplina sobre a qual já se formou um preconceito, sobre a qual se diz uma porção de inverdades, ao professor cabe mostrar que a maioria das opiniões sobre filosofia não corresponde à Verdade sobre Filosofia.
Uma boa dose de ironia, bom humor, descontração e capacidade de improvisar e transformar as situações cotidianas em situação problema é uma das qualidades indispensáveis para o professor de filosofia.
Utilizar textos com mensagens já implícitas ou já conhecidos podem ajudar, mas podem, também, direcionar a reflexão; ou o que é pior podem impedir que se reflita, pois a mensagem já é conhecida...

2- O melhor texto de apoio
Não existe.
Qualquer texto pode ser usado, desde que previamente tenha sido bem estudado e direcionado para o objetivo que se quer alcançar.
Fica difícil trabalhar um tema, por exemplo, de Ecologia com um texto que fala sobre Sexo. Já um texto bem pornográfico pode ser um excelente link para uma aula sobre família ou sobre adolescentes e, obviamente sobre sexualidade, prostituição...
Isso implica dizer que o problema – e a solução do problema – está na capacidade criativa do professor. Por isso a necessidade de o professor ser leitor, superar preconceitos pessoais e, o que é mais importante, superar-se.
O importante não é o texto, mas a metodologia de abordagem do texto. Trata-se de fazer questionamentos ao texto. De fazer uma espécie de análise literária do texto estudado, localizando: personagens, o que fazem, por que fazem, onde o fato narrado acontece, por que acontece, qual a mensagem do texto...

3- A melhor técnica / dinâmica / metodologia
Não existe.
O que deu um excelente resultado em alguma atividade com uma turma, pode ser infrutífero com outra. O que dá para fazer é adaptar, recriar, reciclar.
Algumas dinâmicas, ou metodologias, ou técnicas podem ajudar. Entre as inúmeras que existem e que o professor pode inventar, podem ser mencionadas:
Dinâmica de grupo (ou trabalho em grupo)
Teatro/música/paródia
Recriar um texto na forma de desenho
Debate/seminário/mesa redonda
Interpretar desenhos, charges..

4- É Fundamental
Depois de tudo isso o fundamental é que o professor crie seus próprios exercícios. Estas podem ser desenvolvidas com alguns textos. O texto, na realidade é só um pretexto, um gancho, um link para aprofundar um outro tema. Sobre esse tema o professor deve estar preparado e acolher as respostas dos alunos, sem preconceitos, ajudando a devolve questionamentos a fim de continuar as reflexões. Importa que o professor não encerre o debate, que não dê respostas prontas, mas desafie o aluno....

Prof. Neri de Paula Carneiro

Interrogações

1. Tem uma porção de perguntas que me faço e faço a quem me aprece pela frente. Mas o diabo é que ninguém me responde. Por isso permaneço na ignorância. Veja só: já perguntei pra professor e aluno, pra padre e sacristão. Já perguntei a quem não fala e pra quem fala muito – não aos fofoqueiros, pois desses é bom manter distância!
2. E essa já uma das perguntas que faço e me faço, sem saber a resposta: Porque o fofoqueiro fofoqueia? Essa é só uma das perguntas, que talvez até tenha resposta fácil! O que me interessa são perguntas mais difíceis – que possivelmente tenham resposta mais fáceis.
3. Alguém poderia me dizer porque o limão é azedo? Ou, do lado contrário, porque a cana é doce? Mais ainda, porque a mesma terra que produz a cana doce e o limão azedo produz cada um com o seu sabor? E se plantarmos ambos numa mesma cova, o que faz com que não se misturem e permaneçam um azedo e outro doce? Afinal de contas, quem adoçou a cana e azedou o limão? E se o limão fosse doce, seria limão?
4. Isso não é tudo. Gostaria de saber quem pôs sal na água do mar? E por que a água do rio não é salgada? Se a água do rio, que é chamada de água doce, vai pro mar, por que não adoça a água do mar? Tem até um Mar Morto: quem o matou? Ou já nasceu morto? Morreu de quê? Já prenderam o assassino? Ou lá onde mataram o Mar Morto também impera a (in)justiça brasileira?
5. Tem mais. Quem ensinou o passarinho a voar? Por que ele não cai quando está voando? Será que ele não tem medo das alturas? Se é questão de pena, que pena, por que a galinha não voa, também?
6. E já que estamos no ar, quem foi que pintou o céu de azul? Será que usou rolo, pincel ou spray? Quem pintou o céu também pendurou nele as nuvens? Onde arrumaram tanto algodão para encher as nuvens? E quem foi que pendurou as estrelas? Será que deu muito trabalho? Por que elas só acendem à noite? Quem paga a conta da luz das estrelas? E quando amanhece, pra onde vaia luzinha delas?
7. Podemos continuar?! Tem outras perguntas que não querem calar! Onde fica o interruptor que acende e apaga o dia? Quando o dia fica acesso, pra onde vai o escuro? E dia se esconde aonde, quando vem a noite? E já que dizem que a noite tem boca, qual será o tamanho da escova que ela usa para escovar os dentes? Ou será que a boca da noite não tem dentes? Se não tem, quem qual foi o dentista que os extraiu?
8. Pra não deixar de falar da natureza, será que alguém sabe quem é que assopra o vento? Como é que ele faz para refrescar um dia de calor?
9. Espera aí. Ainda não acabou. Quem sabe me dizer quem esfriou o gelo? Quem esquentou o sol? Quem acendeu o fogo? Quem molhou a água?
10. Porque será que ainda não inventaram um gelo quente? Porque será que ainda não inventaram água em pó? – afinal já fazem quase tudo “em pó”... só falta a água. O problema é saber com o que se vai dissolver o pó da água!?
11. Tem até umas questões meio contraditórias: se o fogo é tão quente, porque se apaga com a água que é fria? Como pode, a mesma água que é tão fresca e que apaga o fogo, ferver ao fogo? Se a água apaga o fogo, como é que o fogo ferve a água que o apaga?
12. Não se desespere, que ainda tem mais: como pode a melancia, que é uma fruta tão grande, ser produzida por um cipozinho tão fininho, fracote, fajuto? Como pode ser tão preguiçosa uma árvore como o pé de manga, tão grande, e dar umas frutinhas tão pequenas? Mesmo a jaqueira não produz nada proporcional ao seu tamanho! E já que falamos nisso quem foi que melecou a jaca?
13. Mudando de assunto. Você sabe explicar por que a pena é tão leve, e mesmo assim, cai? E por falar em peso, qual é mais pesado, um quilo de algodão ou um de ferro?
14. Ainda tem mais: se o dia tem 24 horas por que só 12 é claro? Por que a noite faz parte do dia? Será que a noite foi feita para economizar a energia do dia?
15. Responda rápido: por que a roda é redonda? Por que o cubo não é quadrado? Por que a cobra anda, se não tem pernas?
16. Isso não é tudo. Tem mais pergunta que me deixa encafifado. Mas não vou perguntar tudo agora, se não você vai pensar que eu não sei nada! Mas eu sei, sim. Sei, por exemplo que o Sócrates, não o corintiano, costumava afirmar: “sei que nada sei”. Se ele que era sábio só sabia não saber, porque é que eu, que sou curioso não posso saber só perguntar?
17. E tem mais, dizem por aí que é mais esperto quem faz pergunta do que quem responde. Creio ser verdade, pois quando alguém responde uma pergunta sempre deixa a oportunidade de alguém lhe perguntar, como chegou a essa resposta? Por que você deu essa e não outra resposta? Há outra resposta?
18. Bom, já que “perguntar não ofende” vamos terminar por aqui. Quando é que a gente pode continuar?

Neri de Paula Carneiro

Greve? Greve!: Grave!

Greve é coisa grave, grave isto! E tem, isso, um significado grave: Significa que os dois lados da contraditória sociedade capitalista resolveram explicitar essa contradição em um conflito, radical, medindo forças.
Greve é a faca no pescoço. Os dois lados estão dispostos a morrer em nome ou em defesa daquilo que defendem: melhores condições de trabalho e melhorias salariais, reivindicam os trabalhadores; e manutenção dos padrões atuais, exigem os empregadores. E dizem isso principalmente porque a situação lhes é cômoda e o incomodo é gerado pela greve!
Qualquer categoria profissional tem direito constitucional de entrar em greve. E todos os empregadores dirão que isso é coisa de quem não quer trabalhar, é coisa de agitador... há tempos atrás se dizia, como forma de tentar ofender o trabalhador, que greve é coisa de comunista, ou de petista; mas com o apagão político que ocorre no país...
Para ser exato, no Brasil, o movimento grevista começou com a chegada dos anarquistas, no início do século XX. E, o mais importante, nenhum grande movimento histórico, nenhuma das grandes realizações da humanidade ocorreram sem que houvesse situação de atrito. Qualquer pessoa com um mínimo de inteligência pode olhar para a história e perceber que os movimentos reivindicatórios são executados pelos que pensam criticamente.
Com isso diante dos olhos, olhemos para os profissionais da educação. E aqui surgem alguns problemas, que não existem em outras categorias. Noutros países o sistema educacional é altamente valorizado. Paisinhos merrecas por aí, investem em seus sistemas escolares, com sucesso. Aqui o sistema educacional é visto como gerador de despesas. O descaso é tanto que organismos internacionais já falam em apagão na educação.
Em clima tórrido como o nosso, os alunos desmotivados por vários fatores, são obrigados a permanecer por quatro horas em uma sala, com outros trinta e poucos colegas, debaixo de um ventilador que não funciona. Duvida? Visite uma escola de periferia! Várias estão com aparelhos de ar condicionado, novos, estragando nos depósitos; e os alunos derretendo em salas superaquecidas.
Entre numa sala de aula e veja o desconforto das carteiras escolares e conte quantas estão quebradas; veja quantas lâmpadas queimadas... Não esqueça que a escola é pública, portanto não tem renda própria para comprar lâmpadas e instalar outros equipamentos. A verba que vem dos programas oficiais, tem destino específico, não pode ser direcionado para as reais necessidades das escolas, sob pena de o diretor ser preso por desvio de verba.
Nossas escolas, por força de lei, são obrigadas a acolher portadores de necessidades especiais (cegueira, paraplegia... etc), mas as instalações são inadequadas: os degraus dos pátios impedem a circulação e as valetas produzidas por enxurradas, são armadilhas para a segurança física das crianças.
Isso sem falar nos delinqüentes que são colocados no convívio com outras crianças, sem acompanhamento de nenhum agente da lei. Eles acabam ensinando a bandidagem aos demais alunos visto que ninguém das escolas tem autoridade sobre eles.
Nesses dois casos os professores são obrigados a se calar, pois a força absurda da lei não pergunta pela qualificação dos profissionais da educação, para trabalhar nessas situações. O argumento é que “deveriam estar preparados”, mas o fato é que não estão. Quem consegue se preparar por conta própria com salários defasados (cursos e treinamentos custam caro!). Por parte do poder público, mantenedor do sistema escolar, não foi oportunizada formação específica, depois de vários anos de existência dessas leis. Além disso, professor não é assistente social, nem carcereiro!!!
Devem ser usadas as novas tecnologias? Há escolas, em Rolim de Moura (e o mesmo ocorre em outras localidades), com mais de 1000 alunos e que possuem dois ou três aparelhos de TV e Vídeo/DVD. Computador? Tem alguns, mas muitas vezes inacessíveis à maioria dos alunos. Biblioteca? Num canto, meio escondida, como que com vergonha de seus poucos livros rotos. Salas de leitura? Existem, se montada pela iniciativa heróica de alguns professores, sacrificando suas horas de descanso. Reformas, nas escolas? Quando ocorrem demoram vários meses, atrapalhando as aulas ou colocando em risco a segurança dos alunos.
Com um quadro desse, com as devidas exceções e os respectivos agravantes, creio que falar em greve não é coisa fora do comum. E se os país se interessassem pelos filhos, eles é que fariam greve! Lembrando que os que entraram em greve só reivindicam duas coisas: melhores condições de trabalho e de salário.
Podemos, para concluir, propor uma troca: colocamos os membros do executivo, do legislativo, por um bimestre, sem seus assessores, para trabalhar em uma escola. Fazer tudo que os professores fazem – sem ajuda de seus assessores. (Podem manter seus salários de 15 mil). Terão que apresentar a mesma produtividade dos professores, sem ajuda dos assessores.
Depois de um bimestre, nas mesmas condições dos professores, sem seus assessores, veremos o resultado!
Greve é grave! É um teatro com artistas, em palcos diferentes, tentando convencer a platéia, de que o seu show é o melhor. Mas, quando falamos em educação, o objetivo não é o show, mas a platéia depois do espetáculo.

Neri de Paula Carneiro
Filósofo, teólogo, historiador

3 de ago. de 2007

Vôo da Morte

A morte não está voando, nem é mortal o fato e o ato de voar. A expressão está sendo usada para designar aquele vôo fatídico do Rio Grande do Sul a São Paulo, provocando aquelas centenas de mortes.
Foi uma tragédia. A mídia se deliciou! Prato literalmente quente para várias semanas!
Os outros eventos e fatos e tragédias se dissiparam. Nem o aquecimento global se impôs àquelas cenas chamuscantes e fumegantes. O caso dos senadores larápios esfriou diante do calor da explosão! O PAN foi chamuscado pelo fogo da TAM. O record da TAM acabou recebendo mais destaque que os recordes do PAN
As cores da tragédia se tingiram de um avermelhado que nem de longe lembra aquele momento primordial em que os homens aprenderam a dominar o fogo e com ele iniciaram a epopéia do desenvolvimento. O fogo vital dos primeiros tempos se apagou diante do fogo mortal das explosões.
Mas a questão, aqui não é o fogo nem as explosões, nem o vôo, em si mesmo. Não estou interessado naqueles mortos nem em seus familiares. Da mesma forma que não estou interessado se a pista estava ou não escorregadia. Não me interessa se o avião estava com defeito, se o defeito foi na torre de comando nem se houve falha humana.
Que houve falhas, isso é obvio. Ou não haveria acidente. E com isso não estou querendo me mostrar insensível à dor nem à perda de pessoas queridas. Pelo contrário, esta é a motivação deste desabafo.
Apenas que nossa questão é outra. A questão aqui se refere a uma falha, sim, mas de ordem ética, de caráter, de humanidade.
Digo “nossa questão” é outra por que ela atinge a mim e a você. Atinge aos simples mortais que morrem de cotidiano abandono. Ao passo que aquele problema dos aeroportos, seus aviões e seus mortos representa casos esporádicos. E atinge alguns figurões. O povo mesmo, morre de outras mortes. Por isso o nosso problema é cotidiano:
A fila no hospital público, pago com nosso dinheiro de impostos, permanece matando;
O caos e o desmando na educação pública, aquela que pagamos mesmo sem querer, através da imposição dos impostos, continua matando perspectivas de desenvolvimento;
A assustadora insegurança da chamada segurança pública faz medo e produz pivetes matando a mando de figurões acoitados nas dobras da legislação ou da impunidade ou da negligência, ou do próprio fato de ser um figurão: “você sabe com quem está falando?”
O transporte, visto como vias ou como meios de transporte, também nos mata. As vias são um buraco só. Faltam placas de sinalização e marcadores no solo da pista; os meios de transporte, tanto público como privado são um caos: o carro popular, além de poluente é inacessível em seu preço estratosférico; o transporte coletivo é uma lástima. Tanto o busão de linha intermunicipal e interestadual como o urbano - a chamada circular – além de ser caro é desconfortável, irregular, não respeita o passageiro.
Aqui estão nossos problemas e essa é a questão: tudo isso é “coisa de pobre”. São os pobres que usam transporte coletivo, saúde pública, educação publica... Assim sendo, que se explodam! Mas quando a classe média e alta se explode num avião, a coisa pega. Ficam procurando culpados e justificativas. Mas não encontram o culpado pelas estradas esburacadas e sem sinalização; não encontram os responsáveis pelo caos do transporte coletivo, nem da incapacidade administrativa que gera as filas mortais na saúde pública; nem a estultice da educação publica. Será que a vida de uns é mais importante que a de outros ou é a morte de alguns que vale mais que a morte de outros?
Se um ônibus lotado cai numa “barroca” e mata todos os passageiros, o noticiário gasta alguns segundos para comentar o fato lamentável. Há poucos dias um noticiário da TV mostrou um caminhão saindo de sua pista atravessando o canteiro central e atropelando vários veículos e provocando congestionamento na estrada. Tudo isso é menos de 20 segundos. Ali também estiveram envolvidos e prejudicados várias dezenas de pessoas... Mas um avião lotado cai no meio da rua e explode com tudo e com todos, o noticiário se prolonga por algumas semanas. O defunto rico fede menos que o defunto pobre? O mau cheiro do defunto pobre é mais desagradável para as “fuças” sensíveis dos divulgadores das tragédias? Ou não se noticia a tragédia com os pobres porque, para a mídia e para os donos do poder, os pobres, realmente, não contam? A questão é que os pobres que morrem nas filas e nos acidentes cotidianos, vítimas do desvio de verbas, da corrupção... só valem quando podem significar uns votos a mais para legitimar o safado no poder.
Faltou merenda na escola! Você viu a TV e outros jornais ficarem semanas a fio explorando e denunciando o fato? Morreu duas centenas de figurões num corriqueiro acidente aéreo, quanto tempo a mídia usa para explorar a catástrofe?
Ta essa balburdia toda em torno do acidente. Mas você já observou que não se trata de gente comum? Quantos deles eram trabalhadores em expediente de trabalho? Quantas das crianças e jovens que morreram ali eram filhos de pais desempregados, biscateiros e outros tantos sobreviventes da vida assalariada?
Você já percebeu que aquilo que pode ser de interesse da coletividade dos empobrecidos não permanece na mídia? Já percebeu que aquilo que diz respeito à vida de alguns privilegiados é noticiado à exaustão enquanto a tragédia do povo é esquecida? Ou, justamente, para ocultá-la?
Tá na hora, meu amigo, de começar a calcular o valor da tua vida, para os donos do poder!

Neri de Paula Carneiro
Filósofo, Teólogo, Historiador.

Vaca Morta

Evidentemente a expressão: “vaca morta” pode ser entendida a partir de várias concepções. Uma delas é referindo-se ao animal que morreu. Outra é a dos que vivem dos negócios e entendem por vaca morta um bom negócio em que se leva grande vantagem. Outras formas de entender a expressão poderiam ser acrescentadas, mas não vamos usar este espaço e o seu tempo, leitor, para explorar a todos, uma vez que a vaca morta, em questão não se trata de nenhum sentido já consagrado. Estou criando outro.
Alguém poderia querer “zoar” comigo dizendo: “Ó o cara, meu! Pensa que tá podendo!” Só por que estou querendo inovar uma gíria já popularizada. Respondo: Tô podendo, sim, e daí? Mas a idéia não é essa, de curtir com a cara de ninguém. A coisa é séria: a vaca morreu! Depois de muito tempo no brejo, morreu afogada num mar de lama.
A idéia, a bem da verdade, não é minha. Peguei emprestada do Flávio, caricaturista da Folha de Rondônia. Na página quatro do primeiro caderno (22/06/07) ele “tascou” um personagem montado num “touro mecânico” com a singela frase: “eu já disse que não renuncio”.
Preste atenção na sonoridade da última palavra que não deve ser confundida com nenhum trocadilho, substituindo o “nun” por um “nan” qualquer. Além disso, está falando de um autêntico “não renuncio” que pode ser associado ao nome de um personagem, muito presente na mídia nacional, dos últimos tempos. O cara foi apanhado com a “boca na botija” e alguém, em nome de uma famigerada ética, achou por bem que o cara devia ser afastado de seu cargo – ou, se preferisse uma saída honrosa – como se honra houvesse, nesse meio – poderia renunciar ao cargo. E, por aqueles artifícios das figuras de linguagem, o “renuncio” está muito próximo do nome desse dito personagem, do qual me nego a falar o nome. E, como diria o anjo do apocalipse, “quem tem olhos para ler, que leia”
Mas, e a vaca morta, onde entra na história? É o que muitos já estão se perguntando.
Explico: O chamado “touro mecânico” é uma geringonça, muitas vezes coberta com couro de gado, evidentemente morto. Daí que esse personagem, da sátira daquele jornal, está sentado sobre uma “vaca morta”. Por mais que o touro mecânico saltite, é mecânico – logo, não-vivo: é vaca morta. E o dito cujo – o que disse que não renuncia - disse que amealhou seus milhões com gado,vivo, no meio do qual algumas vacas; mas, neste caso, vacas mortas, dos negócios!
Mas a parábola do desenho do rapaz, do Flávio, é bem mais inteligente do que a pura referência a um objeto mecânico. Essa vaca, na realidade representa uma casa de anciãos (em latins: seniors), os quais deveriam ser os mais íntegros representantes da sociedade do país. E, se fossemos mais rigorosos, os dois lados dessa casa, representada pelo touro mecânico, e que estamos chamando de vaca, estão mortos. Mortos não por que se refere ao animal morto, nem por ser só uma construção de cimento, morto, mas porque apodreceu. Morreu porque não foi vacinada. O vírus da corrupção matou a capacidade imunológica da moral. E a conseqüência foi infecção com a AIDS da ética das falcatruas e dos favores pessoais, contra os interesses da nação; razão pela qual nesse antro vicejam os atos imorais.
Como diria Jorge Amado, referindo-se aos locais que serviam como refúgios para os jagunços dos coronéis de seus romances, aquela casa virou um “valhacouto” de malfeitores. Não são poucos os criminosos que se entrincheiram num mandado e se escondem naquela casa. E seus moradores, em nome próprio, sem se ater ao “poder que emana do povo”, como se lê na constituição, criam leis e proteções para si e para os seus. E, com isso, atolam, cada vez mais a vaca, matando-a no lamaçal.
E ai, então, voltando ao personagem em questão, o camarada monta na vaca. Encastela-se no trono. Do trono da vaca morta faz seu discurso, não em nome ou em defesa da moralidade, mas em defesa de si mesmo e de seu trono que lhe dá imunidade. Do trono lança o desafio, magistralmente captado pela charge em questão: “eu já disse que não renuncio”. Como se estivesse numa daquelas brigas de criança: “daqui não saio e daqui ninguém me tira”.
E sabe por que, ninguém o tira? Porque aqueles que poderiam tirá-lo de cima da vaca, ou seja, da presidência daquela casa, para prendê-lo ou sei lá, quer dizer... você entendeu o que eu quis dizer... Ninguém o tira porque para fazer isso teria que ser alguém que não estivesse contaminado com o vírus que matou a vaca. Teria que ser alguém que não estivesse atolado. Teria que ser alguém de sangue puro, mas como sangue puro não há. Ele pode se dar ao luxo de dizer o que diz
Assim sendo não sobra outra conclusão: Ou a vaca esta morta ou estão mortos, dentro da vaca, todos os que se alojam naquele touro mecânico. E assim todos nos divertimos, e sofremos as conseqüências desse rodeio.
E a vaca? Continua morta. E, como está morta, não representa a população.

Neri de Paula Carneiro
Filósofo, Teólogo, Historiador

Usando a Língua

Nossa língua é muito versátil. Pode ser usada com várias finalidades.
(E os maldosos que parem de pensar naquilo, pois não estou me referindo àquela utilização da língua e nem me referindo aquele órgão que usamos para sentir o sabor saboroso das coisas saborosas. Meu discurso, aqui, se refere à língua falada e não ao órgão usado para articular as palavras)
Feito este esclarecimento voltemos à afirmação inicial: a versatilidade de nossa língua. Você que está lendo, já percebeu que este texto pode conter alguma surpresa, como também pode terminar de forma completamente sem graça. E isso, mais uma vez, comprova a afirmação inicial: a possibilidade de utilizarmos a língua de diversas formas. Até para criar expectativa – ou para frustrá-la.
Podemos usar a língua para deprimir ou diminuir alguém; para “malfalar” ou caluniar. Podemos usar a língua para desprezar, maltratar. Podemos usar a língua da forma mais vil e degradante a fim de que a pessoa ou a coisa da qual estejamos falando saia diminuída, tenha seu valor minimizado.
Neste caso estamos dizendo que a língua é uma arma, mortal.
A língua falada pelos falantes pode literalmente causar morte e pode causar a morte social, moral, política ou outras mortes.
A língua, neste caso, é um veneno.
Mas, por outro lado – e as coisas sempre têm o outro lado! – a língua também pode ser um balsamo. Um néctar. Pode nos aproximar da ambrosia vivificante dos deuses gregos. Pode levar à poesia ao lirismo encantador da criação artística. Um “bonfalante”, “benfalando”, pode ajudar a minimizar feridas da alma ou a cicatrizar dores as mais diversas. Sem contar aquele bem imenso que pode ser feito quando nos dirigimos a uma pessoa que necessita de uma palavra amiga, quando chegamos a ela, pegamos sua mão, olhamos em seus olhos e dizemos tudo sem pronunciar uma única palavra. O silêncio cúmplice, nesses casos, muitas vezes, é mais salutar que infinitas palavras...
Falar algo bom, positivo, construtivo..., nem sempre é articular sons. Pode-se falar muito com gestos e posturas. E isso também faz parte do discurso benéfico de nossa língua. Neste caso a língua da solidariedade, da amizade, do amor...
A língua, nestes casos, é divina!!!
Mas não estou fazendo essa apologia da língua – e observe que uso a língua com vários sentidos sem cair naquele sentido que já disse que não está valendo, neste texto. Uso a língua, aqui para dizer que existem casos que mesmo sendo bem dita, a língua pode causar incompreensão. Não pelo que falou, mas por parte de quem ouviu. Isso implica dizer que, ao lado do bom falante tem que estar um bom ouvinte. Para evitar que o bom falante seja mal falado por um mau ouvinte.
Por que digo isso? Explico-me.
Nossa língua, entre outras virtudes, paga tributo ao grego e ao latim. Aliás, nossa sociedade é greco-latina, além de mal ser cristã. E o fato de ser greco-latina muito nos ajuda. Como, também, por vezes, pode criar embaraços. E o propósito deste texto não é o discurso laudatório à língua, mas tratar de um embaraço.
Em nosso programa semanal na Rádio Liberdade FM (aos sábados, às 12:30) conversávamos com um professor, filósofo, muito competente. Conhecedor do latim e do grego e mais algumas nuances de outras línguas.
O fato é que esse colega saudou os ouvintes chamando-os de “tele-ouvintes”. Após o programa, recebi alguns comentários maldosos, dizendo: “como você pode entrevistar um cara que nem sabe falar? A gente fala telespectador, quando está falando com ou dos que assistem televisão. Quando é no rádio a gente fala ouvinte, pois não estamos na televisão”, me disse um analfabeto (fez faculdade, o gajo, mas é analfabeto!). E continuou destilando veneno, essa língua ferina.
Fui obrigado a esclarecer à víbora, dizendo o que digo agora. Mostrei-lhe as origens de nossa língua. Fui obrigado a lhe ensinar que, o radical grego “tele” tem o significado de “à distância”; que usamos esse radical, em nossa língua, com muita freqüência e em várias outras circunstâncias e palavras. Nós falamos à distância usando o “tele-fone”, vemos imagens distantes pela “tele-visão”, descobrimos mundos pelo “tele-scópio”, alguns estudam a possibilidade da “tele-patia” para uma comunicação à distância, sem articulação de palavras, ou da “tele-cinese” para se referir ao transporte. Isso sem contar que já ultrapassamos a era do “tele-gráfo” para as curtas cartas, mas ainda usamos o “tele-grama”. Dessa forma, falar de tele-ouvinte não é um erro, mas uma perfeita utilização de um conceito.
A única diferença entre o tele-ouvinte e o telespectador é que um só ouve e o outro vê e ouve o que está ocorrendo em outra localidade. O tele-ouvinte, do rádio, é tão “tele” quanto o telespectador, da televisão. O que os diferencia é o aparelho de comunicação. Se não pudéssemos usar o “tele-ouvinte” também não poderíamos usar o telefone, o telescópio, a telegonia, a telemetria, nem as demais utilizações do tele.
Como não quero ser maldoso, nem tripudiar ninguém, sugiro, apenas que antes de tecermos comentários maldosos às pessoas e sobre pessoas, sejamos, pelo menos espertos ao ponto de não falarmos sobre algo do que não temos conhecimento. E aqui entra, também, a maldita fofoca.
Não me levem a mal, mas se as pessoas cuidassem das suas vidas, sem meter a língua em qualquer orifício, possivelmente haveria menos presença de “Tanatós”.
Neri de Paula Carneiro
Filósofo, Teólogo, Historiador

Porrada II

Esta é uma segunda porrada que, evidentemente, vem depois da primeira. Mas a questão aqui não é a ordem das porradas a mas a desordem que as provoca.
Não entendeu? Pois explico!
Você é pai ou mãe. Seu filho ou filha de dois ou três anos faz uma peraltice. Você ri e diz: que gracinha? ou repreende o pimpolho e diz que isso não está correto?
Seu rebento cresce. Está agora com sete ou oito anos. Chega da escola com duas borrachas, sendo que uma delas você não comprou e, portanto, não é dele. Você quer saber de quem é? Como ele ficou com ela? E se descobre que é de um coleguinha manda devolver? Ou só diz que isso não se faz e deixa para lá? Ou nem isso! Você simplesmente ignora, afinal é só uma borracha?
Aos doze ou treze anos. Sua cria não fez a tarefa e o professor lhe chama a atenção. Seu anjinho que aos três anos fazia peraltice e você ria, aos oito chegava com uma borracha estranha e você não ligava, agora, aos doze anos, ao ser repreendido por não cumprir com uma obrigação, falta com o respeito ao professor. Você acha que o professor não poderia ter lhe chamado a atenção, na sala de aula ou você lhe manda pedir desculpas ao professor e fazer duas vezes a tarefa, para que aprenda a cumprir com suas obrigações e se tornar um ser humano?
Agora ele já tem quinze ou dezesseis anos. Você acha que seu filho ainda é muito novo para trabalhar e que deve apenas estudar e se divertir, principalmente por que você teve que trabalhar desde cedo e nunca teve muito tempo para estudar e curtir a vida? ou você procura uma atividade para seu filho. Cobra-lhe que cumpra com essa tarefa e que estude? Além disso, você tolera que seu filho chegue tarde da noite ao sair com os amigos para diversões que você não sabe qual nem onde é? ou você estabelece horários para chegar e quer saber onde e com quem ele irá?
Não sei o que você respondeu a estas situações imaginárias. Mas, mesmo imaginárias, são situações cotidianas para muitos pais e mães e filhos e professores em quase todas as escolas.
Se você se divertiu com a peraltice do seu filho de três anos. Não deu pelota para a borracha estranha em sua bolsa escolar, aos oito. Não o repreendeu quando faltou com o respeito ao professor aos treze, nem se preocupou com quem saiu, para onde foi e que horas voltou, aos dezesseis, prepare-se para uma possível má, notícia: Seu filho pode ser um dos que agride uma trabalhadora e, para se desculpar, diz que pensava que fosse uma prostituta. Seu filho pode ser um dos que corre comprar um litro de álcool para incendiar um índio e, para se desculpar, diz que pensava que fosse um mendigo. Seu filho pode ser um dos que têm tudo, mas não tem um pai e/ou uma mãe.
Claro, você dirá que seu filho não é um monstro!
Respondo: Todos nós somos monstruosos, principalmente quando estamos em bandos ou acossados pelos apelos de fortes emoções; principalmente quando se volta para casa depois de uma noitada com os amigos, tendo bebido, fumado ou cheirado não se sabe o quê.
Você dirá que seu filho é diferente.
Respondo que justamente por sermos diferentes é que, no bando, querermos ser iguais; é por isso cometemos absurdos.
Você dirá que nunca faltou nada para seu filho e que, por isso ele não tem motivos para se comportar maldosamente.
Respondo que nisso reside o grande problema. Pensar que não deixar faltar algo ao filho, dando-lhe tudo, é um erro. Nisso há dois equívocos, fatais: ele não tem que receber tudo, sem ter merecido. Além disso, dar coisas, sem estar presente, cobrando e oferecendo valores é uma forma de confessar que você não está sendo responsável pelo seu filho. Os presentes devem ser proporcionais às conquistas por méritos.
Claro que você não está sozinho na construção desse malfeitor. Você tem uma ajuda valiosa dos meios de comunicação. Você conta com o apoio de uma compreensão equivocada de preceitos da legislação. Você tem um sistema escolar mantido não pela valorização do respeito e da aprendizagem, mas da politicagem que persegue profissionais competentes e valoriza capachos. Você é auxiliado por políticas públicas que privilegiam as estatísticas e não a aprendizagem. E assim por diante.
Conversar com os filhos é bom? É evidente que sim. Mas deixar de punir a peraltice, os erros, as malcriações, os excessos é conivência com a violência. É neste ponto que se separam os pais e os reprodutores.
Pais e mães são aqueles que se preocupam e procuram desenvolver valores socialmente aceitos. Reprodutores são aqueles que fazem ou o geram o filho e o abandonam aos cuidados de uma babá, depois o exilam numa creche, mais tarde o aprisionam na escola ao mesmo tempo em que o soltam nas ruas. Sabe o que acontece depois?
O fato é que a impunidade viceja. Espalha-se feito tiririca no canteiro de alface.
Por isso é que te convido a refletir sobre as porradas. Não aquelas que a grande mídia vem divulgando, quem sabe até tentando provocar uma discussão mais sadia não porque preserve valores, mas por que isso vende notícia e porque, por ser formada pela classe média-alta comece a se sentir ameaçada. Convido-te a refletir sobre as porradas que deixam de ser dadas, com o devido jeitinho carinhoso de quem é pai ou mãe e quer que seu filho não engrosse as estatísticas da violência.
Caso contrário, sabe onde isso vai dar? Porrada!

Neri de Paula Carneiro
Filósofo, Teólogo, Historiador

Porrada

Que me desculpem os olhos mais castos ou os ouvidos sensíveis. Mas o show de porrada pede posicionamentos.
Decididamente, estamos numa época de crise de valores. A moralidade atual, quixotescamente, busca moinhos de vento onde espetar uma lança de absurdos que perpapassa do meio privado ao público; que vai da cena política ao cotidiano dos negócios. A crise de valores ocorre não por que não se tem valores, mas por que os valores são outros.
O bom disso é saber que toda crise é situação de purificação: da putrefação social pode surgir um novo verme produzindo novos valores. Atualmente o que vemos é o lamaçal se estendendo, se ampliando, se infiltrando, se tornando cada vez mais presente no dia-a-dia não só dos políticos, como também da população. Nessa situação de pestilência é que nos encontramos.
Veja como andam as manchetes em um dia comum neste início de século XXI: logo de manhã, na caixa de e.mail uma notícia me atinge os olhos: no interior de São Paulo um aluno incendeia os cabelos da professora, em sala de aula. Você pode ter imaginado que o garoto foi expulso da escola. Nada! Pasme: a escola toma uma providência muito mais drástica: chama os pais para conversar!!! O menor agressor foi acoitado no colo dos pais. Não foi punido! E as autoridades do sistema escolar ainda disseram que se trata de uma criança – esqueceram de dizer que é uma criança má!
Desabafo da professora chamuscada: essa é a lição que a autoridade escolar está ensinando.
Mais adiante outra situação gritante. Madrugada. Alguns estudantes, voltando de uma farra (drogados, embriagados???) param o carrão num ponto de ônibus – não têm álcool, como aqueles que incendiaram o índio. Motivo da parada: assaltar uma trabalhadora que espera a condução para fazer consulta médica. Depois do assalto é espancada. Ela não tinha dinheiro para o plano de saúde e precisava, desde a madrugada, enfrentar a fila mortal da saúde pública.
Os pais e advogados argumentaram em favor dos jovens: são estudantes! Não devem ficar presos, pois são estudantes. (Alguém precisa avisar esses bandidos, pais e advogados desses criminosos, que estudante, de madrugada ou está dormindo para ir cedo para a escola ou está estudando para concluir algum trabalho escolar). Ladrão e agressor, na madrugada, pode ser tudo, menos estudante. E se não forem punidos agora terão aprendido a lição primordial, não da escola, mas de seus pais, seus advogados e da própria legislação inócua: roubar e agredir são os bens desejáveis.
Conclusão para a sociedade: caso seu filho esteja agredindo alguém, verbal ou fisicamente, não o repreenda! Isso faz parte dos novos valores defendidos pelos oportunistas. Não tente impedi-lo, pois aparecerão os defensores dos direitos humanos empunhando o estatuto da criança e do adolescente, mostrando não o espírito da lei, mas a ótica do interesse particular que, contra toda ética e bom senso, se sobrepõe aos interesses coletivos.
Nos dois casos terão se esquecido, em nome do interesse particular, que aquela professora e aquela doméstica também são humanos detentores de direitos. A diferença é que são insignificantes. São o lado mais frágil da corda, o lado que arrebenta.
Com exemplos desse naipe, com pais dessa envergadura não podemos nos assombrar diante de situações em que Senadores da República se prostituem com o dinheiro público; em que o congresso pára a fim de defender seus pares, mandando às favas os interesses da população deste país de carnaval.
Com atitudes deste naipe, sendo ensinado diariamente, em rede nacional, não se assuste a população se o noticiário falar que um deputado encomendou a morte de outro deputado, num recanto do país. Não se assuste se um fazendeiro fizer acordo com algum grupo de sem-terra para invadir sua fazenda e, com isso, conseguir algum benefício.
Homem ou mulher, com a dignidade dos valores antigos, não se assombre se um relator de uma tal comissão de ética de um senado por aí mandar arquivar um caso com indícios de podridão, alegando falta de provas – provas que poderiam ser levantadas – para a condenação ou para a absolvição, caso houvesse investigação.
O rosário de porradas poderia ser ampliado, só com casos que ganharam realce na mídia nacional. Nem precisaríamos lembrar e mencionar os nossos atropelos cotidianos. Poderíamos apenas nos recordar de tantos casos em que a impunidade alimentou a ampliação das porradas: as operações da polícia federal, prendendo e no dia seguinte libertos por liminares e outros aparatos legais, aparecem dando entrevista dizendo que tudo foi só um mal entendido, perseguição dos opositores; uma criança é arrastada pelas ruas e os assassinos rindo da cara abobada da população estupefata.
Como disse, estamos numa época de crise de valores. A legislação é um emaranhado de direitos proibitivos para quem “é do bem”, mas favorável aos direitos de delinqüentes, bandidos e ladrões do “colarinho branco”. E já que a impunidade é o que resolve tudo quem sabe já esteja na hora de resgatarmos uma lei um pouco mais simples e antiga, como aquela de Hamurabi. Não estou defendendo o linchamento, puro e simples, mas quem sabe um festival de porrada não apressasse o processo do acrisolamento.
Neri de Paula Carneiro
Filósofo, teólogo, historiador