Tempos atuais
Já estamos acostumados a ouvir e repetir esta
afirmação: nosso mundo está em crise. Por isso um discurso sobre
crise não é nem possui novidade.
Novidade, em se falando sobre crises, está no fato de
que ninguém está imune a ela. Feito gripe, ela nos atinge a todos.
E não se trata de crise local ou regional: é o mundo que está em
crise.
Mas, aí alguém pode perguntar: Em que consiste essa
crise? Onde ela nos atinge?
Seu impacto sobre nós, é como a percebemos. Ou seja,
ela se manifesta de diversas formas: na economia, na política, nas
relações sociais... Como se trata de uma crise generalizada, ela
nos atinge em todos os níveis e todos os níveis estão
entrelaçados. Trata-se, portanto, de uma crise em rede. Dela não há
escapatória, estamos enredados na mesma teia.
E quando escapamos de um tentáculo outro nos alcança,
feito língua de sapo engolindo mariposa atraída pela luz da
desorientação.
O problema da crise do mundo não é onde ela nos
atinge, mas a sua origem. Ela nos atinge a partir e por causa de sua
origem. E a origem da crise está nos valores vigentes. Vivemos uma
crise de valores por isso sua manifestação ocorre na forma de uma
crise Ética.
Retomemos, portanto a afirmação: Os tempos atuais são
tempos de crise porque vivemos uma crise de ética. Uma crise ética
que se manifesta na forma de inversão de valores; de substituição
de valores; de redefinição de valores: valem as coisas e as
pessoas não valem nada. Importa a lei e não a justiça; importa o
preço da consulta e não a cura do enfermo; importa o poder político
e não o serviço ao público. Dilata-se o valor atribuído àquilo
que possuímos, àquilo que pode ser mostrado, às aparências, na
mesma proporção em que o ser humano é minimizado e aviltado,
esquecido, agredido.
Como podemos perceber isso? Um exemplo dessa situação
é o quadro político brasileiro deste início de 2016. Assistimos ao
afastamento da representante do executivo num processo organizado
pelo legislativo. Algo que não tem nada de anormal, não fosse a
conjuntura em que o fato se deu: o executivo afastado sob acusação
de crime, mas muitos daqueles que votaram pelo afastamento são
acusados no mesmo esquema criminoso. E isso nos obriga a perguntar:
o processo de afastamento foi apresentado em nome da decência, da
moralidade, da justiça, da democracia, do bem estar coletivo, social
e nacional ou foi orquestrado apenas para satisfazer
interesses de grupos alijados do poder?
Se o afastamento, mesmo que tenha havido o crime, não
foi feito em nome da sociedade e da justiça, mas em nome de
interesses particulares há que se questionar a eticidade do fato.
Admitindo isso, somos levados a concluir que se não houvesse
interesse particular, mesmo havendo crime, não haveria o afastamento
e, portanto, o interesse do povo e a justiça não seriam atendidos.
E, se é para moralizar os atos políticos, o mesmo
critério e as mesmas denúncias que foram imputados à ex-presidente
devem, por imperativo moral, ser aplicados aos governadores,
prefeitos... pois, cada um em seu nível de atuação, comete as
mesmas irregularidades.
Além disso, os demais envolvidos e acusados do mesmo
crime da ex-presidente, precisam ser investigados e levados a
julgamento. Caso contrário permanecerá apenas um jogo de cena, para
satisfazer interesses particulares; apenas se executará um “boi de
piranha” para que os tubarões continuem engordando engolindo a
nação.
Assim a política (que poderia ser entendida como a
ética da polis ou da vida em grupo) acaba se convertendo em
uma arena em que vence quem é mais ardiloso e é trucidado aqueles
que têm menor jogo de cintura. Nisso tudo se observa o que estamos
chamando de inversão de valores. Ou, em alguns casos, supressão de
valores. É a manifestação da crise do mundo atual: crise ética
que provoca a crise social, econômica, política...
Neri de Paula Carneiro
Mestre em educação, filosofo, teólogo, historiador
Rolim de Mora - RO