4 de set. de 2007

O homem, que realidade é essa?

As pessoas vivem em grupos. Essa constatação não re-presenta a realidade total da evolução do ser humano nem da sociedade humana; também não esgota as características do ser humano, hoje visto e entendido como ser de relações. Outras questões precisam ser respondidas: as pessoas sem-pre viveram e sempre quiseram viver em grupo? O que moveu os indivíduos a se agruparem?
Parece que não é errado dizer que nem sempre os seres humanos viveram em grupo, formando o que chamamos de sociedade. Também não erramos quando afirmamos que o ser humano está, constantemente, insatisfeito. E se está insatisfeito é porque possui necessidades. Essa parece ser a principal e, talvez, primeira explicação para a organização das sociedades humanas. A satisfação das necessidades.
Sendo assim podemos dizer que as pessoas gostam de estar sozinhas, mas vivem em grupos. Gostam de estar sozi-nhas porque a solidão permite liberdades que não é possível no grupo. Mas necessitam do grupo porque nem tudo de que precisam conseguem isoladamente. A associação ocorre, portanto, não porque o ser humano é, essencialmente, gre-gário, mas é segregacionista, é sectério, e se agrupa por necessidade de sobrevivência. O grupo, portanto, nasce dos interesses pessoais e das necessidades dos indivíduos.
O que é, então, o ser humano?
Sabemos, inicialmente, que o ser humano é um animal que ganhou a classificação de racional. Aristóteles lhe afir-mou mais uma característica: é político, de onde a caracte-rística da sociabilidade. Racional porque consegue abstrair e aprender com as experiências. E, mais do que aprender, consegue reproduzir e ampliar as aplicações das experiên-cias adquiridas. Isso porque aprendeu a raciocinar. É, além disso, político porque vive, sobrevive e explora as relações sociais. Embora, como dissemos antes, goste do isolamento, prefere viver em grupo. O grupo, portanto, não é essencial, mas opção: para satisfazer suas necessidades, para satisfazer seus desejos, para superar seus medos, para superar suas fraquezas.
Nisso podem ser observadas mais algumas das caracte-rísticas desse ser, chamado homem. Diferentemente dos demais animais, o humano é frágil, desprovido de garras ou pele resistente aos ataques dos predadores e intempéries. Essa fragilidade produziu e ajudou no desenvolvimento de outra característica: o medo. Como mecanismo de superação dos medos os humanos desenvolvem mecanismos para conviver ou para superar adversidades da natureza. Um desses mecanismos é a vida grupal. Os humanos, portanto vivem em grupo, entre outros motivos, porque assim se protegem mutuamente. Tanto para enfrentar a natureza como para atingir objetivos comuns. O grupo passa ser um mecanismo de defesa. Os humanos aproveitam-se de suas fraquezas para produzir forças. A força do grupo nasce de uma característica muito marcante do ser humano: a capaci-dade de tirar benefício dos demais membros do grupo, o que indica outra característica do humano: o egocentrismo, sendo que o grupo aparece como refúgio, fortaleza e espaço de onde o indivíduo tira proveito e benefícios. As relações grupais não estão para o grupo, mas para os indivíduos do grupo. Trata-se, portanto, de uma relação interesseira.
Dessa forma é que devemos entender a característica humana da sociabilidade. A sociabilidade, ou a capacidade de o ser humano viver, sobreviver e existir em coletividade parece ser o que mais bem o caracteriza. Entretanto aqui precisamos fazer uma ressalva. Não nos parece que os hu-manos sejam, essencialmente, seres sociais, mas se fazem sociais a partir de suas necessidades e para superar seus medos.
Dizendo de outra forma, o ser humano é um ser sectário e tende a se isolar e a viver isolado. Socializa-se porque se percebe impotente diante da natureza, mais forte que ele. E, por ter medo de não sobreviver procura ajuda dos seus se-melhantes. Assim se faz sociável numa atitude tipicamente egocêntrica, medrosa e aproveitadora. Para fugir de seus medos e disfarçar sua fraqueza aproveita-se da fraqueza dos seus semelhantes. Assim sendo os indivíduos usam a socie-dade como caminho, preparação, para o isolamento, depois de se aproveitar das fraquezas dos outros seres, como ele, fracos e medrosos.
Além disso, o ser humano se percebe no mundo e se vê completamente diferente das demais realidades existentes. Em todas as correntes de filosofia encontramos a mesma afirmação: o ser humano é pensante. É ele quem dá sentido a existência dos existentes. Dá sentido porque pensa, porque se socializa e porque manipula os elementos da realidade, gerando cultura. Além disso, e sem entrar no mérito da discussão religiosa, pode-se dizer que o ser humano trans-cende à realidade humana.
Pensar não é só o que se pode entender etimologica-mente, com a palavra, dizendo que ser humano é capaz de pesar, avaliar. Esse pensar refere-se também à capacidade humana de fazer escolhas. O ser humano é aquele que ava-lia, escolhe, e faz isso a partir de um processo reflexivo que exige uma postura introspectiva. Esta por sua vez deriva da capacidade de abstração. Na verdade quando se diz que o ser humano é capaz de pensar pretende-se afirmar que ele é capaz de falar sobre as realidades com as quais não está em contato imediato. Ele pode representá-las, mentalmente e nisso se dá um processo de reflexão, pois se trata de “voltar a ver” o que não está presente.
Essas características (pensamento, abstração, manipula-ção...) permitem, que o ser humano produza o que chama-mos de progresso humano (outro nome da cultura). O pro-gresso é resultante da vida social, da superação dos medos e dos desafios. O progresso humano pode ser visto como resultado da capacidade humana de resolver problemas (capacidade reflexiva-pensante) e de se associar a outros humanos para fortalecer suas fraquezas diante das realida-des mais fortes e que demandam inteligência (ler o interior das realidades) e ação conjunta. Progredir implica em supe-rar as limitações humanas e naturais em benefício do grupo e, conseqüentemente, em benefício dos indivíduos. O pro-gresso ganha sentido, como toda ação humana, não em si mesmo, mas pelo benefício que produz.
Daí o sentido da produção humana. O ser humano ma-nipula o mundo e gera cultura. Ou seja, diferentemente de outras criaturas, a humana se autoproduz reproduzindo o meio que o circunda. Recria o mundo natural que o circunda e recria o já criado, dando-lhe novo significado. Sua insatis-fação o leva a re-significar as realidades mesmo as que já possuem significado; recria a utilização e a utilidade das realidades mesmo as que já têm significado e utilidade con-sagrada.
Graças a essa capacidade re-criadora o ser humano po-de produzir o mundo e reproduzir o que existe. Com isso dinamiza não só sua existência como as realidades que o circundam e seus concidadãos. Nesse processo cria ou re-cria a cultura uma das marcas mais tipicamente humanas, pois, principalmente pela sua capacidade de recriar a cultu-ra, o ser humano se diferencia dos demais existentes.

Neri de Paula Carneiro
(texto é parte de material didático para aulas de Filosofia da Moral e Ética Profissional - Se desejar o texto completo, solicite, gratuitamente, para neri.car@hotmail.com)