27 de jul. de 2016

“Professor só me deu”

Professor só me deu”
Nossa reflexão neste discurso tem a ver com o aprendizado e o comportamento do aprendiz em relação ao processo do aprender. Poderíamos dizer, também que se trata de uma reflexão sobre a falta de aprendizado que vem crescendo em nossas escolas.
E esta é uma reflexão que não se ocupa em julgar o estudante, mas em constatar um fato do qual, talvez, o estudante seja uma vítima... Mas a vítima fatal e em última instância é a própria sociedade que paga para ter o melhor e acaba recebendo os acidentes do processo!
A questão que desejamos refletir, neste momento, diz respeito a uma atitude que demonstra falta de aprendizado. Ela ocorre logo após alguma avaliação. Circunstância em que, invariavelmente, algum aluno procura o professor e, em tom de reclamação e recriminação, pergunta, afirma e acusa: “professor, só me deu isso de nota!?”
Para não dizer o que pensa e para não ser grosseiro o professor se cala. Mas lá no seu íntimo ele pensa – pensar ele pode: “Abestado, foi você e não eu quem fez a prova!” E vai adiante: “Se a nota foi essa é porque você não sabia mais”. Em acrescenta, ainda no íntimo do seu pensamento: “Eu não dei nota nenhuma. Ela é reflexo daquilo que você fez na prova. Se você acerta um número elevado de questões, a nota é alta, se acerta poucas questões a nota é baixa. Isso não depende do professor a quem só cabe ensinar. O aprendizado é do estudante. Se o estudante estuda, aprende e se aprende a nota vem como consequência. O professor, portanto, só elabora a prova e a corrige depois que ela foi respondida pelo estudante.”
Mas tudo isso fica só na cabeça do professor, pois se disser algo – mesmo que seja verdade – sua fala pode ser interpretada como grosseria, como resposta desrespeitosa ao aluno (lembrando que aluno significa “desprovido de luz” e nessa etimologia o professor é aquele que ajuda o estudante a se apropriar do lumem (luz) do saber.
Então repitamos: ao professor cabe ensinar; promover as condições de aprendizado – condições estas que, em muitos casos, é negada pela estrutura escolar/acadêmica e noutras vezes produzida pelos aluno. Mas ao estudante cabe estudar. Por incrível que pareça, por excelente que seja o professor, se não houver predisposição por parte do estuante, não haverá aprendizado e, consequentemente, não haverá boa nota.
Diferentemente do que ocorre no comércio onde o cliente compra um produto e deseja qualidade, no processo escolar isso não ocorre. O estudante que recebe as informações disponibilizadas pelo professor pode absorvê-las ou não. Se deseja e quando quer, aprende e tem boas notas – e se torna bom profissional! Mas, como ocorre em muitos casos, se o aluno é medíocre ou desinteressado, nada absorverá. E, o que é pior: dirá que o professor não lhe deu nota; em alguns casos os próprios pais cobrarão do professor – e não do aluno – uma melhor nota para o filho, sem cobrar do filho mais empenho no estudo!
Serão esses alunos e não os estudantes que, no final do bimestre ou do semestre, em tom choramingante dirão: “professor, você só me deu essa nota”. Ou então: “Professor, dá um pontinho! Se eu ficar com essa nota vou reprovar. Só um pontinho, professor!” E cada vez que vê o professor é a mesma cantilena lamuriosa: “Então, professor, vai me dar um pontinho?”
Claro que o professor que ouve a lamúria e não diz o que pensa. Mas pensa! Pensa mais ou menos o seguinte: “Como chegamos a esta situação? Se ele tivesse estudado não precisava mendigar nota.” E se lamenta: “Como pode alguém se humilhar a este ponto?”.
Pedir nota é uma confissão de incompetência. Aquele que precisa pedir nota não a merece, pois não foi capaz de consegui-la por si mesmo. E o fato de pedir nota significa que não está preocupado em estudar e aprender. Quer a nota para completar um requisito formal, mas não está preocupado com a postura ética pela qual pode dizer: “Fui aprovado pelos meus méritos” e não porque recebeu algumas migalhas de esmola!”
Neri de Paula Carneiro
Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador
Rolim de Moura- RO

Aprendemos com eles

Aprendemos com eles
Quem é professor já ouviu este tipo de pergunta: onde vou usar isto?
Vamos começar, então por onde tudo começou.
Tudo começou numa aula de história no ensino fundamental. O assunto eram os povos antigos. Naquele momento não havia referência à filosofia, pois a temática era história. Mas a reflexão depois da aula mostrou a ligação do tema de história com uma filosofia do cotidiano. E a questão é: o mundo antigo continua se manifestando em nosso mundo?
A resposta é sim! Basta observarmos e veremos os retalhos daquilo que os antigos fizeram em alguns ecos dentro de nossa sociedade. São saberes que repercutem em nossa sociedade: O mundo antigo continua ecoando em nosso meio.
Vejamos alguns exemplos.
Vivemos em sociedade: muitos de nós um aglomerado ao qual chamamos de cidade. Como aprendemos isso? Possivelmente a partir dos mesopotâmicos. A vida urbana, até onde sabemos, desenvolveu-se lá. Não podemos precisar se foi este ou aquele povo que começou a primeira cidade, mas sabemos que elas agregaram as pessoas.
E por que as pessoas se agregaram num amontoado urbano? Para solucionar problemas.
Inúmeros problemas que seriam insolúveis ou mortais para os indivíduos, foram resolvidos pelo grupo: caso típico é o da segurança. O grupo oferece segurança ao indivíduo e os indivíduos se protegem mutuamente; segurança que não haveria se permanecessem isolados. A vida urbana, se por um lado trouxe soluções, por outro apresentou problemas: a disputa por território e, evidentemente, por alimento.
Com os problemas se avolumando foi necessário desenvolver mais alguns elementos que permaneceram e entraram em nosso uso cotidiano: as armas e a política, por exemplo. A necessidade de proteção do grupo exigiu a produção de armas e as guerras possibilitaram o desenvolvimento de tecnologias para a utilização dos metais.
Enquanto os agricultores usavam a metalurgia para fabricar arados e enxadas os soldados desenvolviam espadas...
A metalurgia se desenvolveu e está em nosso meio. Os metais são uma das artérias de nossa sociedade tecnológica. Para qualquer lado que olhemos, eles estão presentes. Nossa sociedade depende deles. Garfos e caminhões, relógios e microfones... tudo tem metal modificado: na forma de ferramenta, utensilio ou joias.
Outra coisa que os antigos inventaram foi a política. Consequência da cidade e dos atritos que surgem da vida urbana e social, a política foi criada para minimizar ou gerenciar os conflitos. Vários aspectos de nossa política foi organizada pelos gregos antigos. Eles não a criaram, mas dera-lhe um toque requintado.
Não só em relação aos conceitos da política, como democracia, por exemplo, mas também em relação à forma de fazer política: a arte de falar em público e a eloquência são criações dos sofistas que ensinavam retórica e oratória aos cidadãos atenienses para desenvolver a democracia ali existente.
Noutras situações os sacerdotes antigos olharam para os céus e falaram sobre seus deuses. Movidos pela fé ou pelo medo os antigos ampliaram os conhecimentos. Para isso precisaram compreender a dança das estrelas e a divisão do tempo: dias, meses, anos... e essas dimensões temporais e o seu significado acabou definindo nossa sociedade.
A noção de tempo, outra artéria fluindo o sangue frenético de nossa sociedade, nasceu naquele momento em que os antigos olharam para o céu em busca dos seus deuses.
E, em nossa sociedade, o tempo e os céus, antigos objetos de culto, viraram objeto de exploração.
E assim por diante. Cada vez que buscamos a origem de algo que nos é importante, notaremos sua raiz plantada nos tempos antigos: os antigos nos legram seus saberes.
Começamos esta reflexão, uma filosofia do cotidiano, buscando os ecos do passado em nossos dias. Agora nos vem a indagação crucial: os antigos nos legaram algumas lições e contribuições. E nós, o que legaremos aos nossos descendentes.
Neri de Paula Carneiro
Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador
Rolim de Moura – RO

Educação: de quem é a responsabilidade?

Educação: de quem é a responsabilidade?
Estamos acostumados a ouvir falar que educação tem a ver com a escola ou é uma responsabilidade da escola.
Não que não seja, mas não é só isso. Na realidade, educação é muito mais que isso! Ultrapassa a escola porque começa antes dela.
Então comecemos no começo. Para falar sobre algo, precisamos, primeiro, saber o que é aquilo sobre o quê estamos falando. Neste caso, em que consiste isso que chamamos de educação?
Os mestres da linguagem diziam que educação tem a ver com um processo. Ninguém nasce educado. Ninguém é plenamente educado. Da mesma forma que ninguém é “sem educação” ou seja, todos somos educados, mas, ao mesmo tempo, estamos nos educando. Nisso consiste o processo. Isso é o que sugere a professora Maria L. A. Aranha, no livro “Filosofia da Educação”, essa é uma palavra que vem do latim, “educare” e se refere ao processo de “conduzir de um estado a outro”. Envolve, portanto, um “agente” que conduz, uma “mensagem” que é transmitida e a um indivíduo que recebe essa mensagem.
E com base nisso somos levados a dizer que educação não se realiza isoladamente. Tem a ver com vida social. É processo coletivo.
Como estamos admitindo que se trata de um processo, somos levados a concluir que a ação educacional, que é coletiva, não tem um ponto de partida nem um ponto final; não se pode dizer: até aqui este indivíduo não era educado; a partir daqui ele está educado. Pode-se dizer que o indivíduo está se educando sempre. Pois sempre se aprimora em seus comportamentos, valores e posturas.
E, um detalhe: Percebeu? Até aqui, em nenhum momento mencionamos a instituição escolar como agente da educação!
Cabe, então, analisar a ideia de “conduzir de um estado a outro”. Quem conduz? Quem é conduzido? O que conduz é aquele que está numa situação ou condição na qual o conduzido ainda não chegou, mas acredita que deve chegar. E se esse ponto deve ser atingido é porque se acredita que ele seja bom. Trata-se, portanto, de um avanço valorativo. O que é conduzido é aquele que aceita, acata e deseja a condução; acredita que pode atingir um ponto onde ainda não está e, para isso, depende da ajuda daquele que já atingiu o ponto ou objetivo almejado... que não é um “ponto final”, mas uma meta de transição, uma catapulta para o ponto seguinte.
Então voltemos à nossa questão: de quem é a responsabilidade pela educação? De quem já deu o passo ainda não dado pelo que está inserido no processo. Concretizando isso podemos dizer que o adulto está numa situação ou estágio em que a criança ou o adolescente ainda não atingiu. Portanto cabe ao adulto educar a criança ou o adolescente ajudando-o a atingir ou desenvolver os valores que ele ainda não incorporou.
E quem são os responsáveis pela criança e pelo adolescente? Todos os adultos, mas em primeiro lugar os pais! Então a quem cabe a responsabilidade pela educação?
E a escola? Trata-se de uma instituição que tem outro papel: a ela cabe a transmissão de informações consideradas relevantes para o desenvolvimento do indivíduo. É uma instituição que supõe a educação e ajuda a moldá-la, mas com outros objetivos. Por exemplo, um dos objetivos do sistema escolar é preparar para o trabalho. Ou educar para o trabalho. Mas a escola não vai dizer ao estudante que o trabalho é algo bom e que este deve ser um objetivo de vida para todas as pessoas. A escola dirá ao indivíduo: você está no mundo e precisa trabalhar, portanto eu vou te ajudar a se preparar para isso.
A família estimula, ensina – educa – para perceber o valor do trabalho e a escola prepara para o exercício, para a ação laboral.
Neri de Paula Carneiro
Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador
Rolim de Moura - RO

26 de jul. de 2016

Educar ou ensinar


Educar ou ensinar
Quem é professor sabe disso: a escola está ficando sem tempo para ensinar!
Acontece que tem muita confusão sendo cometida tanto no universo escolar como fora dele. E isso ocorre devido, pelo menos, a duas distorções. O primeiro em relação ao desvio de função e o segundo é um equívoco conceitual.
O que é que chamamos de desvio de função? A escola sendo depósito de entulhos de outras instituições. Sobre a escola está sendo lançada toda a incompetência de alguns setores sociais e/ou da gestão pública. Toda vez que uma instituição ou setor da sociedade confessa não ser capaz de cumprir seu papel transfere sua responsabilidade para a escola a fim de que ela dissemine aquelas ideias.
Explico-me, perguntando: Para que existe escola? Para ensinar! E o que a escola ensina? Uma enorme lista de temas e conteúdos previstos nos documentos oficiais emitidos pelo ministério ou secretarias de educação. A título de exemplo podemos mencionar: Plano Nacional de Educação, Referenciais Curriculares, Parâmetros Curriculares Nacionais, etc e seus correspondentes estaduais e municipais. Em todos esses documentos estão previstos os conteúdos ou componentes curriculares a serem ministrados ou ensinados durante as aulas pelas escolas esparramadas Brasil a fora. E esses conteúdos (componentes curriculares) obrigatoriamente tem que ser ensinados! A prova dessa obrigatoriedade são as chamadas avaliações externas (como a Prova Brasil, por exemplo) que ocorrem nas escolas cobrando esse ensino.
O equívoco conceitual ocorre quando se confunde a educação escolar com educação.
Educação escolar, refere-se ao ensino das matérias, (conteúdos/componentes curriculares) previstas nos programas oficiais.
E a educação (que é dever da família e do Estado, segundo a lei) refere-se à transmissão dos valores socialmente aceitos (repeito à pessoa, respeito aos mais velhos, respeito ao ambiente escolar...).
Esses valores também podem e devem ser ensinados pela escola, mas não é esse seu papel primeiro – sua função é o ensino.
O desvio de função ocorre sempre que são lançadas sobre a escola atribuições que não são de sua alçada. E isso ocorre sempre o que alguma instituição ou setor social (público ou privado) utiliza-se da instituição escolar para fazer aquilo que essa instituição não foi capaz de fazer – e que era sua responsabilidade: saúde, segurança, trânsito...
Por causa da incompetência e do desconhecimento é que acabam jogando tudo no pátio da escola.
O sistema de saúde não tem competência para ensinar e divulgar aquilo que deve ser transmitido à população e socorre-se da escola.
O sistema de transporte (trânsito) é incapaz de ensinar adequadamente e socorre-se com a escola.
O sistema de segurança não faz sua parte e diz que a escola tem que conscientizar as pessoas...
o Sistema judiciário imagina algum projeto e joga para que a escola o desenvolva...
E assim por diante, qualquer instituição ou grupo social que imagina um projeto mirabolante dirige-se a escola para executá-lo. E, dessa forma, se torna cada vez mais difícil a escola cumprir seu papel, pois acaba sendo sobrecarregada com o papel de outros.
Ocorre que essas instituições que não deram conta de fazer seu trabalho e se socorrem com a escola, na realidade não desejam resolver o problema para o qual pedem a ajuda da escola. Se quisessem resultados seriam mais eficientes em sua ação; utilizariam os recursos financeiros de que dispõem de forma mais inteligente; usariam um sistema de intervenção mais universal e eficiente, como os veículos de comunicação.
Mas o pior disso não é o grupo estranho desejar que a instituição escolar realize seus projetos mirabolantes, mas os gestores do sistema escolar permitirem que isso aconteça. E, mais do que permitirem, são coniventes com o desvio de função e erro conceitual. Assim a escola está deixando de ser um espaço de ensino e não consegue ser espaço educativo...
Neri de Paula Carneiro
Mestre em Educação, filósofo, teólogo, historiador
Rolim de Moura - RO
 publicado inicialmente em: http://www.webartigos.com/artigos/educar-ou-ensinar/142802/