Neri de Paula Carneiro – Filósofo, teólogo, historiador
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Nestes tempos de fim de ano, é comum fazermos balanços, avaliando a quantas anda nosso final de estoque.
Muitas vezes nos orgulhamos – ou nos envergonhamos – pelo que realizamos; agradecemos por não ter realizado algo que poderíamos ter feito e que parecia bom, mas que, depois constatamos, não o seria tanto assim; ou lamentamos por ter deixado de fazer algo que parecia péssimo, mas que, no transcorrer do processo, constatamos que teria sido excelente...
Nestes tempos de fim de ano é tempo em que fazemos avaliações em função do passado – ao quê não temos mais acesso e não há como recuperar, nem reviver, nem concertar... é tempo de sonhar com o que queremos e, em função disso, planejar o futuro – realidade sobre a qual também não temos acesso, na qual não podemos mexer, nem tocar... só sonhar, com o risco de acordar num pesadelo!
Muitas vezes nos deparamos com nossas energias concentradas no passado, ou no futuro, sem forças para viver o já... que já foi... e quando nos damos conta percebemos que o instante que vivemos é fluído demais ao ponto de nem o percebermos claramente, sobrando-nos o lamento... ou o agradecimento. E, novamente constatamos: não temos tempo...
Nestes tempos de fim de ano é quando mais nos damos conta de que não temos tempo!
Muitas vezes, em razão da falta de tempo, nos desesperamos pelo tanto que sonhamos fazer enquanto constatamos que não será possível realizar... ou, por percebermos que não dá tempo, deixamos de fazer o que podemos... e, nos dois casos, deixamos de viver intensamente o instante fluído do instante em que vivemos.
Nestes tempos de fim de ano, também olhamos para o mundo e constatamos, estarrecidos, quão errado tudo está. Tantas malandragens se impondo sobre nossos, e de outros, honrados esforços para conseguir um lugar ao sol.
Muitas vezes nos vem aquela vontade, ou mais que vontade, de jogar no lixo todos os valores nos quais fomos formados e aos quais nos agarramos para sobreviver e nos dar objetivos. Isso ocorre, principalmente, quando vemos aquele salafrário de nosso colega de trabalho se dando bem, surfando na malandragem... e nós, afogados na honestidade, na lealdade, no altruísmo... nos damos conta de que não passamos de pedra de tropeço... não passamos de degraus que outros estão usando para chegar lá onde nós temos certeza que deveríamos estar, não por puxasaquismo, ou apadrinhamento, mas por mérito e capacidade.
Nestes tempos de fim de ano é quando, com mais ira, nos sobrevém aquela triste constatação de que precisamos, com urgência, rever nossos conceitos, nossos valores, nossas expectativas sobre o mundo e as pessoas... É quando, com a mais pura transparência, percebemos, num clima de paz, harmonia, festividade, a essencial maldade humana. É quando vemos a constante ausência ser compensada com presentes que deveriam ser uma forma de manter a presença do presenteador ao presenteado, mas acaba sendo uma confissão de que nada vai mudar e as pessoas permanecerão isoladas em seus mundos mesquinhos.
Muitas vezes constatamos que o clima natalino e o de sonho de paz e fraternidade que se atribui à passagem de ano, nada mais é do que uma forma de manter e alimentar o comércio. É quando aumentam os lucros e não o processo de construção de mais humanização. É quando nos vem a mente a letra daquela música natalina:
“O tempo vai passando sutilmente
De repente,
A gente lembra que o natal
Já vai chegar...”
Nestes tempos de fim de ano é quando percebemos a fluidez do tempo que se esvai, como o sangue de nossa artéria-vida que verte inexoravelmente, nos levando para um encontro definitivo. Para fugir disso é que as pessoas fazem o que diz a continuação da mesma música:
“A praça apareceu iluminada
Na calçada
O povo pensa que em pacotes
Compra a paz”
Muitas vezes somos enganados e noutras tentamos enganar, ou nos enganar, dizendo ou fazendo de conta que o clima festivo do final do ano dará conta de resolver, como se fosse um truque de magia de mau gosto, todas as mazelas nossas, das pessoas com quem convivemos e do mundo. Mas nos pacotes de presentes que trocamos, não está aquilo que mais almejamos e com o quê sonhamos. Nos pacotes trocados, presentes dados e recebidos, está somente o gosto amargo da ausência, e uma confissão/constatação: ainda não fomos capazes!!!
Muitas vezes temos visto, ano a ano, os fins dos anos chegarem. E, como sempre, neste fim de ano veremos o fim anunciando o começo. E nestes tempos de fim de ano seria bom, e isto já é mais um sonho de fim de ano, se fossemos capazes de não criar sonhos a mais, mas traçar metas e cumpri-las. Teríamos que nos dar conta de que nosso problema não é a falta de metas, mas o não cumprimento de metas traçadas.
Nestes tempos de fins de anos, com o estoque reduzido, poderíamos não fechar para balanço, pois teremos que reabrir... e, depois do balanço, anda teremos o estoque antigo...
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