11 de dez. de 2007

MUSICOSOFIA: A música nas aulas de filosofia

Prof. Neri P. Carneiro - neri.car@hotmail.com

A filosofia pode ser uma atividade agradável e con-vidativa, no ambiente escolar secundarista e do ensino superior? Como fazer das aulas de filosofia um momento agradável, sem perder a capacidade de desenvolver a crítica que caracteriza essa área do conhecimento?
O que aqui nos move, portanto não é a discussão so-bre filosofia, mas sobre uma possível metodologia que possa ajudar aos professores a melhor desenvolver suas atividades com filosofia.

Algumas considerações.

Para isso são necessárias algumas considerações.
Em primeiro lugar é preciso dizer que a filosofia dis-tingue-se das ciências e de outras disciplinas escolares por várias razões. Uma delas é o fato de não ter como preocupação primeira a apresentação de respostas, mas a proposição de duvidas. São as dúvidas que conduzem às respostas e estas provocam o desenvolvimento ou ampli-ação do saber.
Como as ciências e disciplinas escolares, ela leva em consideração o que disseram os antigos, mas não se limi-ta a repetir o que eles disseram. E nisso está mais uma diferença em relação às outras áreas do saber. Podemos dizer que as outras áreas do conhecimento se desenvol-vem, de modo geral, reforçando o que já foi dito, ou seja, a partir da afirmação de uma verdade. A filosofia se de-senvolve colocando em dúvida a verdade apresentada. O melhor discípulo de um filósofo não é o que divulga suas idéias, mas o que o supera, como sugere R. Gomes, em “A Crítica da Razão Tupiniquim” (1982, p. 32): “Imedia-tamente após o período da criação, surge a cristalização e a esterilidade – aí encontramos os pretensos seguidores. É quando aquela intuição originária se perde nalguma escolástica. Só mais tarde surgirá o verdadeiro sucessor: aquele que disser o contrário”.
A postura negadora, da filosofia, é o que lhe dá vita-lidade, vigor e prestígio. A partir do espírito da crítica – que é a negação do que foi afirmado – desenvolve-se não a filosofia, mas o filosofar, como sugeriu E. Kant. E nisso se manifesta outra de suas características: filosofia não é algo que se ensina, como se fora regra de três ou normas de acentuação gráfica. Filosofia não se ensina, mas propõe-se desafio ao processo do filosofar. Não se ensina porque tudo que se disser sobre Filosofia será, sempre, uma caricatura; a filosofia, portanto, se caracte-riza não por ou com uma definição, mas no processo; o que importa é o processo, pois este se aproxima da dina-micidade da busca, que a caracteriza. Filosofia não é o que está pronto, mas nasce no processo do filosofar.
Claras são as palavras de Nietzsche, ao afirmar, no prólogo de Ecce Homo, que a filosofia ainda há de ven-cer pois “até agora a única coisa que foi proibida sempre, por princípio, foi a verdade”. Isso porque, diz ele, a filo-sofia é busca.

“A filosofia, como a compreendi e a vivi até agora, é vida voluntária no meio do gelo e nas altas mon-tanhas — é a busca de tudo o que é estranho e du-vidoso na existência, de tudo o que foi até agora proscrito pela moral. A longa experiência, propor-cionada por esse caminhar no proibido me ensinou a contemplar tudo de forma completamente dife-rente do que se poderia pensar as razões pelas quais até agora se moralizou e se idealizou: a história o-culta dos filósofos, a psicologia de seus grandes nomes se revelou para mim. Quanta verdade um espírito pode suportar, quanta pode arriscar um es-pírito? Isso foi se convertendo cada vez mais para mim no verdadeiro critério do valor. O erro (a crença no ideal) não é cegueira, o erro é covardia... Cada conquista, cada passo em frente no conheci-mento é conseqüência da coragem, da dureza con-sigo mesmo, da limpeza para consigo...” (NI-ETZSCHE, [2006?], p. 16)

Como tudo isso pode ser aplicado ao contexto esco-lar? A primeira dica é: Não devemos fazer das aulas de filosofia uma cantilena de repetição do que já foi dito, mas a partir do que foi falado, propor a novidade. No contexto escolar é necessário encontrar não uma forma de ensinar a filosofia, mas um mecanismo que ajude a filosofar.
E assim podemos fazer algumas afirmações, categó-ricas:

Como dar uma boa aula de filosofia?

Não existe regra.
Depende da criatividade e dos conhecimentos pré-vios do professor. Um professor de filosofia não se equi-vale ao de português ou de matemática. Ele precisa ser leitor atento, ler muito, ter conhecimentos/informações de várias áreas. Gostar da dúvida e não se sentir dono da verdade.
Mesmo quando os alunos tentem “colocá-lo na pare-de” o professor precisa manter a atitude humilde de quem sabe que não sabe, pois os alunos também possuem seus saberes.
Sendo uma disciplina sobre a qual já se formou um preconceito, sobre a qual se diz uma porção de inverda-des, ao professor cabe mostrar que a maioria das opiniões sobre filosofia não corresponde à Verdade sobre Filosofi-a.
Uma boa dose de ironia, bom humor, descontração e capacidade de improvisar e transformar as situações coti-dianas em situação problema é uma das qualidades indis-pensáveis para o professor de filosofia. Utilizar textos com mensagens já implícitas ou já conhecidos podem ajudar, mas podem, também, direcionar a reflexão; ou o que é pior podem impedir que se reflita, pois a mensagem já é conhecida...

Qual o melhor texto de apoio?

Não existe.
Qualquer texto pode ser usado, desde que previa-mente tenha sido bem estudado e direcionado para o objetivo que se quer alcançar.
Fica difícil trabalhar um tema, por exemplo, de Eco-logia com um texto que fala sobre Sexo. Já um texto bem pornográfico pode ser um excelente link para uma aula sobre família ou sobre adolescentes e, obviamente sobre sexualidade, prostituição... Isso implica dizer que o pro-blema – e a solução do problema – está na capacidade criativa do professor. Por isso a necessidade de o profes-sor ser leitor, superar preconceitos pessoais e, o que é mais importante, superar-se.
O importante não é o texto, mas a metodologia de abordagem do texto. Trata-se de fazer questionamentos ao texto. De fazer uma espécie de análise literária do texto estudado, localizando: personagens, o que fazem, por que fazem, onde o fato narrado acontece, por que acontece, qual a sua mensagem...

Qual a melhor técnica, dinâmica, metodologia?

Não existe.
O que deu um excelente resultado em alguma ativi-dade com uma turma, pode ser infrutífero com outra. O que dá para fazer é adaptar, recriar, reciclar.
Algumas dinâmicas, ou metodologias, ou técnicas podem ajudar. Entre as inúmeras que existem e que o professor pode inventar, podem ser mencionadas: Dinâ-mica de grupo (ou trabalho em grupo); Tea-tro/música/paródia; Recriar um texto na forma de dese-nho; Debate/seminário/mesa redonda; Interpretar dese-nhos, charges...
Mas acima de tudo e o que realmente importa é a-daptar e recriar.

É Fundamental!

Depois de tudo isso o fundamental é que o professor crie seus próprios exercícios. Estas podem ser desenvol-vidas com alguns textos. O texto, na realidade é só um pretexto, um gancho, um link para aprofundar o tema que se deseja trabalhar. Sobre esse tema o professor deve estar preparado e acolher as respostas dos alunos, sem preconceitos, ajudando a devolver questionamentos a fim de continuar as reflexões. Importa que o professor não encerre o debate, que não dê respostas prontas, mas desa-fie o aluno...
Não é demais reafirmar: Para o ensino de filosofia não existe receita. Podemos dizer, por um lado, que não podemos ficar presos às falas dos filósofos, mas, por outro lado, não podemos nos alienar em textos descone-xos. Aquele amontoado de textos aleatórios são mais prejudiciais para a filosofia do que as falas dos “grandes” filósofos.
Um caminho que pode ser experimentado é o de ler alguns trechos dos grandes pensadores e procurar contex-tualizá-las a partir de outros textos do nosso cotidiano. Seria algo como ouvir o eco daquele pensador no cotidi-ano das pessoas, nas artes, na literatura, nas músicas. Não de forma repetitiva, mas de forma criativa.
E por falar em música podemos fazer um largo estu-do da história da filosofia a partir de várias vertentes. Uma delas pode ser a música. Estamos propondo, portan-to, que façamos uma viagem pela história da filosofia a partir da musica popular brasileira.

Dois Exemplos

Tomemos dois exemplos, dos pré-socráticos, para ilustrar essa idéia. “Tudo se faz por contrastes; dessa luta dos contrários nasce a mais bela harmonia”, teria dito Heráclito, por volta do século VI aC. Outra de suas afir-mações é que “O frio torna-se quente, o quente frio, o úmido seco e o seco úmido”. Mas, talvez, uma de suas mais célebres frases seja esta, afirmando que “não se pode entrar duas vezes no mesmo rio. Dispersa-se e reú-ne-se; avança e se retira” (BORNHEIM, [198?]). Com isso está procurando afirmar que a realidade é dinâmica, é movimento. Podemos relacionar essas idéias à música, cantada por Lulu Santos, “Como uma onda”:

Como uma onda
Nada do que foi será
De novo do jeito que já foi um dia
Tudo passa, tudo sempre passará
A vida vem em ondas, como um mar
Num indo e vindo infinito
Tudo que se vê não é
Igual ao que a gente viu a um segundo
Tudo muda o tempo todo no mundo
Não adianta fugir
Nem mentir pra si mesmo agora
Há tanta vida lá fora
Aqui dentro sempre
Como uma onda no mar

Entre outras coisas, a filosofia se desenvolve de forma dialética. Pela oposição de idéias. É o que po-demos observar quando comparamos as afirmações antagônicas de pensadores contemporâneos. Se Herá-clito afirmava a essencialidade do movimento, o opos-to de sua posição encontraremos em Parmênides. Para este pré-socrático a essencialidade do existente é per-manente e constante. Daí uma de suas afirmações mais conhecidas sobre os princípios ou caminhos do conhecimento e sobre a imutabilidade do ser. Afirma ele que “o ser é e o não ser não é”. Nossa idéia de imu-tabilidade do destino também se origina em Parmêni-des: “Pouco me importa por onde comece, pois para lá sempre voltarei novamente.” Esse pensador é um dos primeiros a propor algumas características do “Ser”: eterno, imutável, imóvel, indivisível. O Ser, “perma-necendo idêntico e em um mesmo estado, descansa em si próprio, sempre imutavelmente fixo e no mesmo lugar”
A idéia de permanência, parmenidiana pode ser vista na música, “Cotidiano”, de Chico Buarque:

Cotidiano
Todo dia ela faz tudo sempre igual
Me sacode as seis horas da manhã
Me sorri um sorriso pontual
E me beija com a boca de hortelã

Todo dia ela diz que é pra eu me cuidar
E essas coisas que diz toda mulher
Diz que está me esperando pro jantar
E me beija com a boca de café

Todo dia eu só penso em poder parar
Meio dia eu só penso em dizer não
Depois penso na vida pra levar
E me calo com a boca de feijão

Seis da tarde, como era de se esperar
Ela pega e me espera no portão
Diz que está muito louca prá beijar
E me beija com a boca de paixão

Toda noite ela diz pra eu não me afastar
Meia-noite ela jura eterno amor
Me aperta pra eu quase sufocar
E me morde com a boca de pavor

A partir destes dois pressupostos se construiu a história da filosofia: a afirmação de que tudo é movimen-to e se explica pelas alterações, de acordo com Heráclito; e de que nada se altera, mas permanece sendo sempre o que é, como disse Parmênides. Os pensadores oscilaram entre um e outro lado.
No transcorrer teremos aqueles que pensarão e agirão como se tudo sempre fosse a mesma coisa; e outros que defenderão as mudanças. Teremos Platão afirmando que o que vemos é aparência, e, portanto, noutras palavras falando da necessidade do espírito indagador buscar a verdade. Entretanto, em seu “Mito da caverna”, nega a possibilidade de mudança, pois aquele que sai para bus-car a novidade é assassinado pelos seus pares. Isso seria um tributo a Parmênides
Por outro lado teremos Aristóteles afirmando a ne-cessidade de identificar claramente as coisas, afirmando o princípio da não contradição, mas ao mesmo tempo dizendo que todas coisas são, em ato, o que são, mas potencialmente podem ser algo diferente. Com isso reto-ma Heráclito
Outros ensinamentos, de outros pensadores podem ser buscados e interpretados à luz do que se canta nos sucessos das paradas ou naquelas músicas que poucos chegaram a conhecer. Podem ser temas antigos ou bala-das atuais.
É possivel que algém venha nos dizer que não se pode fazer Filosofia, apenas com as músicas. Em resposta podemos dizer que também não podemos abrir mão do saber popular, presente nas músicas de um povo. E mais, é possivel fazer um estudo verificando como as idéias dos pensadores aparecem no cotidiano das pessoas e entraram na sociedade, também por meio da música.
As idéias filosóficas não se prendem às páginas dos livros. Pelo contrário, elas passam a fazer parte do cotidiano na medida que entram na arte, na literatura, na poesia, na música. Nesse processo podemos ver não só que as idéias dos pensadores se renovam, mas ver novas idéias nascendo a partir da colocação de temas propostos pela arte.
Dessa forma se pode superar preconceitos, superar medos, criar indagações, encarar as contradições.
A mente e o espírito fracos, se assustam com idéias como as de Feurbach: “O ser absoluto, o Deus do homem é o próprio ser do homem”. Ou não apreciam o sabor da novidade advinda da dúvida e por falta de dúvidas, acabam morrendo. Nos ensina Nietzsche em “Assim falou Zaratustra” (1986, p. 33): “Aproxima-se o tempo em que o homem não mais arremessará flecha do seu anseio para além do homem e em que a corda do seu arco terá desaprendido a vibrar. Eu vos digo: é preciso ter ainda caos dentro de si, para poder dar à luz uma estrela dançante. Eu vos digo: há ainda caos dentro de vós”. Mas hoje será que ainda temos coragem de duvidar?


Referências

BORNHEIM, Gerd A. Filósofos Pré-Socráticos, São Paulo: Cultrix, [198?]
GOMES, Roberto. Crítica da Razão Tupiniquim. São Paulo: Cortez, 1982.
NIETZSCHE, F. Ecce Homo. São Paulo: Escala [2006?]
__________ Assim Falou Zaratustra, rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1986

7 comentários:

bruno disse...

no ano passado trabalhei a música de Lulu Santos para, com uma turma de 8a. série, refletir sobre o pensamento de Heráclito. Que bom saber que alguém já pensou em usar essa música para trabalhar o pensar de Heráclito.

Anônimo disse...

Nossa muito interessante! Gostei muito da idéia da música. Sou recém formada em comunicação social - jornalismo e quero dar aulas. Tirei o Cat recentemente e posso dar aula de filosofia para o ensino medio. Gostaria que me indicassem bibliografias, artigos, textos para poder me preparar melhor e até dicas para conseguir realizar esse sonho. Meu email é vitaminac2@yahoo.com.br. Obrigada! Meu

Anônimo disse...

Parabéns pela iniciativa. Sou prof de Filosofia e Sociologia e peguei uma turminha dificil. Tenho certeza que sua dica irá me ajudar.
Obrigada

Unknown disse...

Oi

parabéns ! adorei o texto , e principalmente a ligação entre os filosofos , suas idéias com as musicas atuais , sem dúvida uma das melhores forma para se trabalhar de forma descontraída em sala de aula sem fugir da didatica é através da musica , estou cursando o primeiro semestre de Hitória , e acredito que suas contribuições serão juito uteis quando estiver em sala de eula

Anônimo disse...

Trabalhei Heráclito e mencionei a música de Lulu. Que bom que mais pessoas tiveram essa idéia, pois os alunos, em sua maioria precisam ser motivados para assistirem as aulas de Filosofia. Por favor mande mais novidades.

Anônimo disse...

Muito bom, prabéns pelas informações e a maneira como foram colocadas.Continue precisamos de bons materiais.

Unknown disse...

Boas ideias para quem está iniciando uma trajetória no ensino da Filosofia. Parabéns!