Neri de Paula Carneiro - neri.car@hotmail.com
Roteiro para palestra aos estudantes da FAP
Semana Acadêmica 04/03/2008
Em clima de começo de ano não é muito es-tranho que iniciemos uma conversa sobre uma temática recorrente: Trata-se do ser estudante. E, particularmente do estudante universitário. O que vem a ser essa realidade tão falada e nem sempre entendida: o estudante?
Vamos começar fazendo algumas ressalvas ao nosso tema. E começamos nos perguntando: devemos tratar do Ser Acadêmico ou do Ser Estudante?
Nós nos acostumamos a dizer que aquela pes-soa que venceu o monstro do vestibular e ma-triculou-se numa faculdade é acadêmico.
Mas o que é isso que se convencionou como Acadêmico?
Nas suas origens gregas a palavra se vincula a Platão que tinha uma escola denominada “A-cademia”, por se localizar num jardim dedica-do ao herói “Academus”. Foi uma escola di-nâmica tendo formado inúmeros pensadores. Um dos mais conhecidos foi Aristóteles. Na porta da academia de Platão havia uma placa: “Não entre se não for geômetra”. Note que embora fosse uma escola dinâmica, era, tam-bém, restritiva: restringia-se aos geômetras.
Se olharmos para o dicionário (o Aurélio, por exemplo), veremos o seguinte: Acadêmico: “Diz-se do artista ou da obra de arte que se conserva presa às regras e ao gosto do aca-demismo, numa concepção estética imobiliza-da, alheia às novas correntes de expressão”; e mais: “diz-se de manifestação artística ou cultural de um convencionalismo estreito, hostil a qualquer inovação” (Destacando que Academismo é uma ou corrente estética do século XVI que condenava as inovações e preconizava o retorno aos padrões clássicos da Antiguidade. Está, pois, inserida no contexto do Renascimento que, apesar de todas as ino-vações que produziu, neste caso produziu não um avanço, mas uma postura retroativa).
Atualmente entendemos como acadêmico é aquele que está ou que pertence à academia. E aqui a coisa se complica: entre nós academia não tem uma conotação gostosa, bonita, jovial, inovadora. Não tem aquele som jovem, alegre, descontraído, comprometido, inquieto como quem está na constante busca de algo... ainda meio indefinido... Por isso acadêmico e aca-demia, entre nós tem um ar meio rançoso e elitizado. Lembremo-nos da Academia Brasi-leira de Letras. Seus membros são até chama-dos de imortais. Mas nem sempre os melhores escritores são os membros da Academia Brasi-leira de Letras.
Assim sendo nos parece que ao invés de aca-dêmico, aquele que se arrisca num curso em uma faculdade poderia ser mais bem descrito como estudante.
Outra vez, precisamos nos socorrer com uma ajuda do “Aurélio”. Aí teremos a afirmação de que estudante é aquele que estuda. E o que é estudar?
A lista do dicionário é enorme. E não é depre-ciativa: “aplicar a inteligência para apren-der”; “dedicar-se à apreciação, análise, ou compreensão”; “freqüentar um curso”... estas acepções estão mais próximas de nós e do que fazemos. Quando somos integrantes disso que chamamos de “curso superior” estamos num ambiente em que um dos principais elementos é a BUSCA. Não é a toa que se fala do tripé da universidade: ensino, pesquisa e extensão. Sendo que a pesquisa é o ponto de origem das informações a serem ensinadas na sala de aula e a extensão um caminho pelo qual as inova-ções da pesquisa são levadas à população.
Mesmo assim, podemos dizer que popular-mente existem duas concepções sobre o ser estudante. Há dois “enfoques”: um meio ma-ledicente que vê o estudante como um ser meio moleirão, matreiro, malandreante. Um ser meio indefinido que está ai só por estar, aparentemente descomprometido com seu curso e com a vida e, pior ainda, descompro-metido com as questões sócio-político-econômicas do país, do estado, do município.
A outra forma de visualizar o estudante é as-sociando-o ao movimento estudantil. Ao his-tórico do movimento estudantil que mexeu com as bases da ditadura militar. Que apontou e que ainda hoje procura alternativas para a melhoria do sistema escolar de nosso país. Nesta visão a idéia que se forma sobre o ser estudante é de alguém que não está por estar, mas está inserido numa sociedade e num gru-po que busca “algo a mais”. Aqui está presen-te a idéia de desenvolvimento pessoal e coleti-vo.
Quando nos referimos ao estudante estamos me referindo à segunda concepção que tam-bém se aproxima do que está nos dicionários. Estudante, neste ponto de vista, é uma espécie de sinônimo de dinamicidade. É alguém que, contra todas as expectativas, ainda acredita que pode construir um mundo melhor a partir de seu crescimento pessoal.
Vamos então, buscar algumas características do estudante, ou do ser estudante.
E aqui entra mais um elemento. Gostaria de dizer que aquilo que caracteriza o estudante deveria ser aquela atitude de Sócrates: andar pelas ruas e praças em busca dos saberes, aprendendo na gratuidade do puro gosto e sabor do saber.
Alias gostaria que essa fosse uma característi-ca de nós todos: estudantes e professores. Gostaria que a nossa mais marcante e definiti-va característica fosse a busca gratuita, dinâ-mica, constante do saber. Para que dissessem de nós o que se diz terem dito de Pitágoras: O rei Creonte teria perguntado a Pitágoras: “ouvi dizer que andas por aí como que a “Filoso-far?” E Pitágoras teria respondido. “Sim, mas eu não sou o ‘sófos’ [sábio]; sou apenas um ‘Filo Sófos’ [amante do saber]”. Nossa postura deveria ser, também, essa de andar filosofan-do, mas com a consciência de que não somos sábios.
Gostaria que todos nós assumíssemos a postu-ra de Pitágoras: não somos Sábios, mas pesso-as que vivem na busca da sabedoria. E com isso todos nós seriamos filósofos: aqueles que vivem, não pelo saber, mas pela busca do sa-ber. Com a consciência de que é saber que move o mundo, pois o saber produz conheci-mentos que produzem tudo aquilo de que ne-cessitamos.
Entretanto, dentro de nossa cultura, isso não é possível. Eu não seria honesto nem comigo nem com os estudantes. Nossa sociedade não mais vive pela busca do saber, mas pela von-tade de ter; a essência perde espaço para a aparência.
Portanto ao invés de falar daquilo que deveria ser, sobre o ideal, vamos comentar algumas características do real. Querendo, cada vez mais, estarmos preparados para sermos agen-tes no mundo e não simplesmente recebendo aquilo que o mundo e a sociedade nos im-põem. Como estudantes concretos, e não ide-ais, estamos aqui em nosso processo de busca.
Não nos esqueçamos que estamos inauguran-do um novo século. E ele tem exigências que nem sempre estiveram presentes no cotidiano da humanidade. Daí que nos vem a questão: o que é Ser Estudante, nos dias atuais?
Primeiramente não vamos nos prender ao ser como aquela categoria filosófica que remon-ta a Aristóteles. O que caracteriza o Ser Es-tudante, aqui para nós, são algumas atitudes que caracterizam o estudante; atitudes que lhe permitem transformar-se, diariamente, em alguém melhor. E para isso uma coisa é indis-pensável: ou seja, ser estudante. E o que é ser estudante? Ser alguém que estuda.
Muita gente se matricula; freqüenta as aulas; muitos até tiram excelentes notas. Mas não são estudantes. Não são pessoas dispostas e querendo aprender, sempre e cada vez mais! Não estudam... passam pelo curso e recebem um diploma... mas permanecem fechados em seu mundinho: não procuram nem aceitam o novo nem os novos desafios. Não são estudan-tes, mas acomodados.
Em segundo lugar podemos dizer que não é estudante aquele que vai apenas se fazer pre-sente no ambiente da academia. Estudante se caracteriza pela atitude de quem é inconformado com o que está pronto; inconformado em busca das novidades; inconformado com aquilo que tem cheiro de coisa velha. Estudante quer novidade. E as novidades não nos procuram. Nós é que precisamos procurar por elas; correr atrás delas. Principalmente nos dias de hoje em que as novidades envelhecem muito rapidamente.
Lembremo-nos da música, antiga, mas atual: “Mágoa de boiadeiro”, cantada por Pedro Bento e Zé da Estrada: No lamento do boia-deiro “que perdeu a profissão” há “saudade” e “solidão”. Por não se ter preparado para con-viver com o progresso que é sempre portador de novidades, agora é vítima dele: “Por tudo isso eu lamento e confesso que a marcha do progresso é a minha grande dor / Cada jamanta que eu vejo carregada transportando uma boiada me aperta o coração”
Além disso, o estudante valoriza aquilo que é tradicional. Pode parecer contraditório, mas não é. Tradicionais são aquelas realidades que se firmaram e afirmam, pela qualidade, ao longo dos tempos. É tão bom que não enve-lhece. Nada melhor, para ilustrar isto do que a música. Basta nos lembrarmos de quantos grupos musicais estouraram; fizeram o maior sucesso. Mas pouco tempo depois ninguém mais se lembra deles. São casos de música descartável com prazo de validade curto. Em contrapartida existem músicas tão boas que fizeram sucesso quando foram lançadas, fo-ram regravadas e relançadas várias vezes: são tradicionais. Outro exemplo: a Bíblia é um escrito de pouco mais de 3 mil anos; os vedas, dos hindus, tem 5 mil anos... não envelhece!
Com isso chegamos a uma quarta característi-ca do estudante: alguém antenado no seu co-tidiano e no mundo. Quem não está por dentro do que anda acontecendo, está fora. Não tem espaço no mundo estudantil e nem no mercado de trabalho.
Há poucos dias ouvi de um próspero empresário de nossa região a seguinte afirmação: “nós nos acostumamos a ouvir que os últimos serão os primeiros. Mas não é verdade. No mundo dos negócios, os últimos serão descartados. Só tem espaço para os primeiros, os melhores”
Cabe lembrar aquela história que é contada em treinamento empresarial, em que duas pessoas, passeando pela selva se defrontam com um leão faminto. Um dos dois se põe a correr e o outro, calmamente, calça um tênis de corrida. O primeiro argumenta; “você pensa que vai correr mais que o leão, com esse tênis?” E o outro: “Não preciso correr mais que o leão. Só tenho que correr mais que você”. O ambi-ente da competição é desumano.
Isso nos leva à uma outra característica do estudante e do processo da vida acadêmica: preparação para o mercado de trabalho. Nas primeiras aulas os professores costumam perguntar aos alunos: por que vocês estão es-tudando? Resposta ensaiada: “para conseguir algo melhor”. Mas isso é pouco. Antes de conseguir “algo melhor” a pessoa tem que ser melhor. Tem que ser mais gente. O mercado de trabalho está repleto de bons profissionais, mas poucos têm a qualidade que mais se pro-cura: gente! Gente que trabalha com o cora-ção. No mercado de trabalho o espaço está aberto para quem tem além de capacidade racional, capacidade emocional. E os estudan-tes precisam desenvolver isso, também. Em-bora o ambiente seja tremendamente racional, ao estudante cabe desenvolver suas capacida-des emocionais. “Só se vê bem com o coração, o essencial é invisível aos olhos”, dizia a rapo-sa ao Pequeno Príncipe.
Cabe mais uma característica. Estudante é solidário, amigo. Numa sociedade de indivi-dualistas e egoístas, tem espaço para quem se preocupa com o outro. É imprescindível se dar o trabalho de conhecer as pessoas, para criar laços. Lembremo-nos das palavras da raposa ao princepezinho: “A gente só conhece bem as coisas que cativou. [...]. Os homens não têm mais tempo de conhecer coisa alguma. Com-pram tudo prontinho nas lojas. Mas como não existem lojas de amigos, as pessoas não têm mais amigos; se queres um amigo, cativa-me”.
Vale a pena lembrar a história do ratinho que, desesperado, procurou a galinha, o porco e a vaca para avisar que havia uma ratoeira na sede da fazenda. Não lhe deram ouvidos. Mas ao ser armada a ratoeira prendeu uma cobra venenosa que picou a mulher do fazendeiro. Seu marido matou a galinha pra fazer ensopa-do para a esposa; como não sarou, matou o porco para alimentar os vizinhos que vinham visitar a enferma que acabou morrendo. Quando morreu, o fazendeiro matou a vaca para alimentar a todos. Só o ratinho permane-ceu com vida. Tentou ser amigo, mas não en-contro solidariedade.
Além disso, o estudante precisa ter mais uma característica: ser leitor. Leitor atento, dos textos e do mundo. Nos textos buscará as in-formações que lhe permitirão crescer em sa-bedoria para ler o mundo. O mundo é um livro que precisa e deve ser decifrado. A linguagem dos livros precisa ser decifrada pela leitura cotidiana. A linguagem do mundo pode ser entendida pelo silêncio e pela proximidade: quem se faz próximo entende a linguagem do silêncio. Mais uma vez ouçamos as palavras da raposa, ao pequeno Príncipe: “eu te olharei com o canto dos olhos e tu não dirás nada. A linguagem é uma fonte de mal entendidos”. Mas o leitor consegue perceber as nuances de cada situação. Se não perceber é por que ainda não aprendeu a ler.
Isso nos leva a mais uma característica: a per-sistência e perseverança. Não se chega a lugar algum se não se colocar a caminho. É no caminhar que se superam as dificuldades. E, o que é mais importante. O homem não se faz pela facilidade, mas pelos problemas, pela superação das dificuldades. A humanidade chegou ao ponto em que está, não por que existiram condições favoráveis, mas porque não havia condições.
Para ilustrar isso alguns versos da música “Até o Fim” do Engenheiros do Havaí: “Não vim até aqui /Pra desistir agora! Entendo você / Se você quiser ir embora... / Não vai ser a primeira vez / Nas últimas 24 horas / Mas eu não vim até aqui / Pra desistir agora!... / Minhas raízes estão no ar / Minha casa é qualquer lugar / Se depender de mim / Eu vou até o fim... / Voando sem instrumentos / Ao sabor do vento / Se depender de mim / Eu vou até o fim...”
As características do estudante poderiam ir se sucedendo. Mas com essas podemos nos pre-parar. Não para a formatura, mas para entrar no mundo do estudo. Um mundo que só tem porta de entrada.
Neri de Paula Carneiro
Filósofo, Teólogo, Historiador
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