25 de jul. de 2007

Vagabundo?

Existe um ditado falso, por sinal, afirmando que “cada povo tem o governo que merece”.
Nada mais falso e maldoso do que afirmar isso. Duas afirmações de governantes comprovam isso. Claro que a população – os eleitores – é ultrajada constantemente pelo poder público. Desde o fato de ter que esperar numa ante-sala (para não ser atendido, ou ser mal atendido) até os projetos e leis anti-população. São muitos os exemplos em que representantes dos três poderes dão cascudo nos seus patrões, os contribuintes. Poderia fazer um rosário de situações em que isso ocorre ou poderia mencionar um tanto de vezes que eu próprio fui ultrajado. Não é a toa que os espanhóis forjaram aquele ditado tão real em nosso meio: “aos amigos os favores da lei; aos inimigos os rigores da lei”. Perceberam onde nasce a corrupção?
Mas não vamos aqui comentar essa dimensão da afronta a que é submetida a população. Vamos nos concentrar a duas agressões. Nós, os contribuintes, fomos agredidos em duas situações diferentes, em épocas distintas e por personagens alternados – alterados – recebemos o mesmo rótulo: VAGABUNDO.
Na primeira vez foi o Presidente da República e na outra o prefeito da maior cidade do país. Claro que nas duas vezes o destinatário imediato do rótulo – para não dizer xingamento – eram interlocutores do boca suja. Mas nas duas vezes se tratava de um membro do executivo eleito diretamente pela população – ou uma pequena parte da população. E, portanto, seu ato reflete-se não somente sobre o indivíduo-vítima, mas para a população como um todo. Mesmo que tenha sido eleito por uma parcela muito pequena da população – considerando os não eleitores, os não votantes, os que se abstiveram, votaram branco ou anularam o voto e, principalmente, os que votaram contra, por terem votado em outros candidatos – cada personagem eleito elege-se com um percentual bem reduzido do universo total da população. Mas, pela lei, representa toda a população (outra conversa é o questionamento sobre a legitimidade da lei!) E seus atos, portanto não são atos dirigidos para indivíduos, mas para a população.
O primeiro, um presidente, de triste memória, pelos tantos escândalos abafados em seu governo, chamou de vagabundos aos que questionavam seu projeto de alteração na aposentadoria. Lá com as palavras dele disse que quem deseja se aposentar é vagabundo – ele que na época já era aposentado como professor! O segundo, um prefeito em início de mandato – então já dá para imaginar o que ainda se pode esperar dele! – chamou um trabalhador de vagabundo. Notemos que esse trabalhador questionava uma lei paulistana que cerceava um campo de trabalho, ganha-pão de muita gente.
Nos dois casos, com quase uma década de distância, a mesma palavra de origem latina. Segundo o “Aurélio”, trata-se de uma pessoa que “leva uma vida errante; que vagueia; vagamundo, vadio, erradio, errante, nômade, andejo, mundeiro. Inconstante, volúvel, leviano. Velhaco, pelintra, canalha, biltre. De má qualidade; reles, ordinário. Troca-pernas. Indivíduo desocupado, ocioso”. Portanto nada que se assemelhe a um “muito obrigado, senhores eleitores, contribuintes, meus patrões, pelos votos a mim confiados”.
Agora vejamos. Quem busca aposentadoria? Pessoas que já trabalharam por um período de tempo considerável. E que contribuiu, com o fruto do seu trabalho, para a previdência social que é a instituição que paga a aposentadoria. Portanto, quem pede aposentadoria é alguém que está ou esteve trabalhando – e pede de volta o dinheiro que é seu, pois lhe foi descontado do salário! Quem foi o senhor escorraçado pelo prefeito? Um trabalhador, colocando seu problema por estar sendo impedido de exercer uma atividade. Portanto alguém que pode até não estar trabalhando, por força de uma lei municipal, mas que deseja trabalhar – tanto que estava interpelando o prefeito!
Nos dois casos, tratou-se de pessoas idosas e que já trabalharam muito durante suas décadas de inserção no “Mercado de Trabalho”. Mais ainda. Tratou-se de pessoas que produziram – ou produzem – riquezas, bens, serviços. Isso por que estamos considerando apenas os indivíduos diretamente insultados. Mas como se trata de um homem público, com poder legalmente instituído, representam toda a população e quando falam ou agem seus atos ou palavras atingem a toda a população.
Agora, alguém ai, me diga: o que produzem os tais homens públicos? O que produzem os políticos? Quais os benefícios que produzem para a totalidade da população de que são representantes?
Observando atentamente poderemos constatar que a ação dos “homens públicos”, dos políticos de modo geral, são atos que produzem mal-estar na população – não estamos querendo negar que existem aqueles que se beneficiam, que levam vantagem, que tiram proveito pessoal! Estamos falando da população como um todo e não daqueles gatos pingados que sobrevivem de uma atividade chamada “puxa-saquismo”.
O que produzem os políticos, além do infindo “cordão de puxa-sacos”?
O que produzem aqueles que são chamados de “vagabundos” é a riqueza do país. O progresso da nação. O desenvolvimento, cujos resultados são engolidos pelos corredores do poder e da corrupção.
Portanto se tem algum vagabundo nessa história não são aqueles que assim foram chamados – a população brasileira – por aqueles que deveriam representar a população. Se existe algum vagabundo, com todos os significados da palavra, esses são aqueles que assim chamam a população.
Neri de Paula Carneiro
Filósofo, Teólogo, Historiador

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