7 de mai. de 2007

Sorte ou Azar?

O que é a Sorte? Em que consiste o Azar? Duas perguntas que pedem uma resposta e no levam à mesma reflexão: sorte e azar são situações antagônicas ou duas faces de uma mesma realidade?
Claro que existem muitas pessoas que defendem a importância da sorte e dão inúmeros motivos para que a sorte seja vista como o motor da vida e o caminho para a solução de problemas. Como explicar, sem a presença da sorte, que alguém ganhe um prêmio acumulado de alguma loteria? Por outro lado inúmeras pessoas dirão que o azar é o grande inconveniente das pessoas. É ele que ocasiona as tristezas e os sofrimentos de uma infinidade de pessoas. E dizem que só pode ser azar ter faltado uma pedra para bater, no bingo de um carro zerinho!
E assim, com essas duas posturas teríamos presente a afirmação de que sorte e azar são apenas duas faces de uma mesma moeda: a sorte é o outro lado do azar e o azar é o outro lado da sorte. Quem tem sorte não tem azar e quem tem azar não tem sorte.
Olhando de outro ponto de vista, existem os que defendem a posição da simultaneidade, dizendo que a mesma pessoa pode ter sorte em uma situação e azar em outra. Dessa postura é que nasce a expressão tão freqüente em mesas de jogo: “azar no jogo, sorte no amor”.
Neste ponto é bom colocar a questão de forma mais radical: em que consiste isso que é chamado de sorte? E o azar? Dá para ser mais arrojado e perguntar se, realmente, existe isso que é chamado de sorte e azar. Ou isso é apenas mais um ponto de vista?
Uma pessoa vai andando pela rua e encontra uma nota de cem reais. Isso é sorte ou azar? Pergunta boba, dirão alguns. Não está vendo que o cara teve uma tremenda sorte. Afinal de contas cem reais não é pouco dinheiro e não é todo dia que se encontra, por aí, uma nota de cem.
Agora pensa um pouquinho: essa situação – achar uma nota de cem reais – não é um fato isolado. Ela está dentro de um contexto. O contexto de uma pessoa que está andando pelo mesmo lugar em que outra pessoa já andou – e perdeu os cem reais. Pessoa essa que teve um tremendo de um azar, não é mesmo? Ou será que vale a máxima que afirma: “sorte de um azar de outro”?
Agora volte a examinar a situação. O sortudo teve sorte ou viveu uma série de circunstancias? Primeira circunstância: teve que sair de sua casa; depois, passou por essa e não por aquela rua; dependeu de alguém ter, também, saído de casa e passado pelo mesmo local antes dele; dependeu dessa outra pessoa possuir e ter perdido o dinheiro... e ninguém ter passado pelo local depois do que perdeu e antes do que achou. (Uma terceira pessoa que tivesse passado pelo mesmo local, depois que a segunda achou o dinheiro da segunda, será que também é azarado, afinal, veio depois...?) e poderíamos enumerar muitas outras circunstâncias que envolveram a situação. E o que é importante para compreendermos esta reflexão: será que na ausência de um dos elementos dessa situação a “sorte” do que achou o dinheiro permaneceria? Onde estaria a sorte do surtudo se o que perdeu o dinheiro não tivesse perdido a grana?
Veja que o deslocamento de um elemento da situação muda toda a história! E, se a história fosse outra, com certeza não estaríamos falando dela. Ao menos não aqui!
E isso faz lembrar uma outra história que ajuda a entender que a tal sorte/azar, na realidade é uma questão de postura diante de conjuntos de circunstâncias. E que, na realidade não se trata nem de sorte nem de azar, mas de confluência de situações.
“Havia um fazendeiro que tinha um filho. Todos diziam que ele era muito sortudo pois nascera rico e tinha uma família maravilhosa. Mas aconteceu que um determinado dia seu filho caiu de um cavalo e quebrou a perna. Como o acidente fora muito feio, as despesas hospitalares foram muitas. Conseqüentemente as pessoas não tardaram a falar: “que azar do rapaz. Um tombinho de nada e lhe quebra a perna, fazendo todo esse estrago”. O pai responde: “sorte ou azar, não sei...” Dias depois circula a notícia de que o país entrara em guerra. E todos os jovens deveriam se alistar. Todos os colegas do jovem da perna quebrada são convocados, vão para a guerra, morrem. E as pessoas voltam a falar ao pai: “que sorte, seu filho não pode ser convocado para a guerra e não correu o risco de morrer.”. E o pai, sábio, responde, novamente: “sorte ou azar, não sei...”
Sorte ou azar...
Na realidade nem sorte nem azar, mas um conjunto de circunstâncias que geram fatos. Um conjunto de circunstâncias que, sendo diferente gera situações e fatos diferentes. Ou seja, aquilo que as pessoas vêem como sorte só o é por uma determinada confluência de circunstâncias. E mais, muitas vezes o que é visto como sorte, para um, é para outro o que ele considera azar. O que implica dizer, novamente, que nem sorte nem azar, mas um ponto de vista. Um ponto de vista que, para o favorecido é sorte e para o desfavorecido é azar.
Na verdade, portanto, o que temos é apenas um mundo de circunstâncias.

Neri de Paula Carneiro
Filósofo, Teólogo, Historiador
(Publicado inicialmente em "Folha da Mata"/2004

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