Nossa língua é muito versátil. Pode ser usada com várias finalidades.
(E os maldosos que parem de pensar naquilo, pois não estou me referindo àquela utilização da língua e nem me referindo aquele órgão que usamos para sentir o sabor saboroso das coisas saborosas. Meu discurso, aqui, se refere à língua falada e não ao órgão usado para articular as palavras)
Feito este esclarecimento voltemos à afirmação inicial: a versatilidade de nossa língua. Você que está lendo, já percebeu que este texto pode conter alguma surpresa, como também pode terminar de forma completamente sem graça. E isso, mais uma vez, comprova a afirmação inicial: a possibilidade de utilizarmos a língua de diversas formas. Até para criar expectativa – ou para frustrá-la.
Podemos usar a língua para deprimir ou diminuir alguém; para “malfalar” ou caluniar. Podemos usar a língua para desprezar, maltratar. Podemos usar a língua da forma mais vil e degradante a fim de que a pessoa ou a coisa da qual estejamos falando saia diminuída, tenha seu valor minimizado.
Neste caso estamos dizendo que a língua é uma arma, mortal.
A língua falada pelos falantes pode literalmente causar morte e pode causar a morte social, moral, política ou outras mortes.
A língua, neste caso, é um veneno.
Mas, por outro lado – e as coisas sempre têm o outro lado! – a língua também pode ser um balsamo. Um néctar. Pode nos aproximar da ambrosia vivificante dos deuses gregos. Pode levar à poesia ao lirismo encantador da criação artística. Um “bonfalante”, “benfalando”, pode ajudar a minimizar feridas da alma ou a cicatrizar dores as mais diversas. Sem contar aquele bem imenso que pode ser feito quando nos dirigimos a uma pessoa que necessita de uma palavra amiga, quando chegamos a ela, pegamos sua mão, olhamos em seus olhos e dizemos tudo sem pronunciar uma única palavra. O silêncio cúmplice, nesses casos, muitas vezes, é mais salutar que infinitas palavras...
Falar algo bom, positivo, construtivo..., nem sempre é articular sons. Pode-se falar muito com gestos e posturas. E isso também faz parte do discurso benéfico de nossa língua. Neste caso a língua da solidariedade, da amizade, do amor...
A língua, nestes casos, é divina!!!
Mas não estou fazendo essa apologia da língua – e observe que uso a língua com vários sentidos sem cair naquele sentido que já disse que não está valendo, neste texto. Uso a língua, aqui para dizer que existem casos que mesmo sendo bem dita, a língua pode causar incompreensão. Não pelo que falou, mas por parte de quem ouviu. Isso implica dizer que, ao lado do bom falante tem que estar um bom ouvinte. Para evitar que o bom falante seja mal falado por um mau ouvinte.
Por que digo isso? Explico-me.
Nossa língua, entre outras virtudes, paga tributo ao grego e ao latim. Aliás, nossa sociedade é greco-latina, além de mal ser cristã. E o fato de ser greco-latina muito nos ajuda. Como, também, por vezes, pode criar embaraços. E o propósito deste texto não é o discurso laudatório à língua, mas tratar de um embaraço.
Em nosso programa semanal na Rádio Liberdade FM (aos sábados, às 12:30) conversávamos com um professor, filósofo, muito competente. Conhecedor do latim e do grego e mais algumas nuances de outras línguas.
O fato é que esse colega saudou os ouvintes chamando-os de “tele-ouvintes”. Após o programa, recebi alguns comentários maldosos, dizendo: “como você pode entrevistar um cara que nem sabe falar? A gente fala telespectador, quando está falando com ou dos que assistem televisão. Quando é no rádio a gente fala ouvinte, pois não estamos na televisão”, me disse um analfabeto (fez faculdade, o gajo, mas é analfabeto!). E continuou destilando veneno, essa língua ferina.
Fui obrigado a esclarecer à víbora, dizendo o que digo agora. Mostrei-lhe as origens de nossa língua. Fui obrigado a lhe ensinar que, o radical grego “tele” tem o significado de “à distância”; que usamos esse radical, em nossa língua, com muita freqüência e em várias outras circunstâncias e palavras. Nós falamos à distância usando o “tele-fone”, vemos imagens distantes pela “tele-visão”, descobrimos mundos pelo “tele-scópio”, alguns estudam a possibilidade da “tele-patia” para uma comunicação à distância, sem articulação de palavras, ou da “tele-cinese” para se referir ao transporte. Isso sem contar que já ultrapassamos a era do “tele-gráfo” para as curtas cartas, mas ainda usamos o “tele-grama”. Dessa forma, falar de tele-ouvinte não é um erro, mas uma perfeita utilização de um conceito.
A única diferença entre o tele-ouvinte e o telespectador é que um só ouve e o outro vê e ouve o que está ocorrendo em outra localidade. O tele-ouvinte, do rádio, é tão “tele” quanto o telespectador, da televisão. O que os diferencia é o aparelho de comunicação. Se não pudéssemos usar o “tele-ouvinte” também não poderíamos usar o telefone, o telescópio, a telegonia, a telemetria, nem as demais utilizações do tele.
Como não quero ser maldoso, nem tripudiar ninguém, sugiro, apenas que antes de tecermos comentários maldosos às pessoas e sobre pessoas, sejamos, pelo menos espertos ao ponto de não falarmos sobre algo do que não temos conhecimento. E aqui entra, também, a maldita fofoca.
Não me levem a mal, mas se as pessoas cuidassem das suas vidas, sem meter a língua em qualquer orifício, possivelmente haveria menos presença de “Tanatós”.
Neri de Paula Carneiro
Filósofo, Teólogo, Historiador
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