Evidentemente a expressão: “vaca morta” pode ser entendida a partir de várias concepções. Uma delas é referindo-se ao animal que morreu. Outra é a dos que vivem dos negócios e entendem por vaca morta um bom negócio em que se leva grande vantagem. Outras formas de entender a expressão poderiam ser acrescentadas, mas não vamos usar este espaço e o seu tempo, leitor, para explorar a todos, uma vez que a vaca morta, em questão não se trata de nenhum sentido já consagrado. Estou criando outro.
Alguém poderia querer “zoar” comigo dizendo: “Ó o cara, meu! Pensa que tá podendo!” Só por que estou querendo inovar uma gíria já popularizada. Respondo: Tô podendo, sim, e daí? Mas a idéia não é essa, de curtir com a cara de ninguém. A coisa é séria: a vaca morreu! Depois de muito tempo no brejo, morreu afogada num mar de lama.
A idéia, a bem da verdade, não é minha. Peguei emprestada do Flávio, caricaturista da Folha de Rondônia. Na página quatro do primeiro caderno (22/06/07) ele “tascou” um personagem montado num “touro mecânico” com a singela frase: “eu já disse que não renuncio”.
Preste atenção na sonoridade da última palavra que não deve ser confundida com nenhum trocadilho, substituindo o “nun” por um “nan” qualquer. Além disso, está falando de um autêntico “não renuncio” que pode ser associado ao nome de um personagem, muito presente na mídia nacional, dos últimos tempos. O cara foi apanhado com a “boca na botija” e alguém, em nome de uma famigerada ética, achou por bem que o cara devia ser afastado de seu cargo – ou, se preferisse uma saída honrosa – como se honra houvesse, nesse meio – poderia renunciar ao cargo. E, por aqueles artifícios das figuras de linguagem, o “renuncio” está muito próximo do nome desse dito personagem, do qual me nego a falar o nome. E, como diria o anjo do apocalipse, “quem tem olhos para ler, que leia”
Mas, e a vaca morta, onde entra na história? É o que muitos já estão se perguntando.
Explico: O chamado “touro mecânico” é uma geringonça, muitas vezes coberta com couro de gado, evidentemente morto. Daí que esse personagem, da sátira daquele jornal, está sentado sobre uma “vaca morta”. Por mais que o touro mecânico saltite, é mecânico – logo, não-vivo: é vaca morta. E o dito cujo – o que disse que não renuncia - disse que amealhou seus milhões com gado,vivo, no meio do qual algumas vacas; mas, neste caso, vacas mortas, dos negócios!
Mas a parábola do desenho do rapaz, do Flávio, é bem mais inteligente do que a pura referência a um objeto mecânico. Essa vaca, na realidade representa uma casa de anciãos (em latins: seniors), os quais deveriam ser os mais íntegros representantes da sociedade do país. E, se fossemos mais rigorosos, os dois lados dessa casa, representada pelo touro mecânico, e que estamos chamando de vaca, estão mortos. Mortos não por que se refere ao animal morto, nem por ser só uma construção de cimento, morto, mas porque apodreceu. Morreu porque não foi vacinada. O vírus da corrupção matou a capacidade imunológica da moral. E a conseqüência foi infecção com a AIDS da ética das falcatruas e dos favores pessoais, contra os interesses da nação; razão pela qual nesse antro vicejam os atos imorais.
Como diria Jorge Amado, referindo-se aos locais que serviam como refúgios para os jagunços dos coronéis de seus romances, aquela casa virou um “valhacouto” de malfeitores. Não são poucos os criminosos que se entrincheiram num mandado e se escondem naquela casa. E seus moradores, em nome próprio, sem se ater ao “poder que emana do povo”, como se lê na constituição, criam leis e proteções para si e para os seus. E, com isso, atolam, cada vez mais a vaca, matando-a no lamaçal.
E ai, então, voltando ao personagem em questão, o camarada monta na vaca. Encastela-se no trono. Do trono da vaca morta faz seu discurso, não em nome ou em defesa da moralidade, mas em defesa de si mesmo e de seu trono que lhe dá imunidade. Do trono lança o desafio, magistralmente captado pela charge em questão: “eu já disse que não renuncio”. Como se estivesse numa daquelas brigas de criança: “daqui não saio e daqui ninguém me tira”.
E sabe por que, ninguém o tira? Porque aqueles que poderiam tirá-lo de cima da vaca, ou seja, da presidência daquela casa, para prendê-lo ou sei lá, quer dizer... você entendeu o que eu quis dizer... Ninguém o tira porque para fazer isso teria que ser alguém que não estivesse contaminado com o vírus que matou a vaca. Teria que ser alguém que não estivesse atolado. Teria que ser alguém de sangue puro, mas como sangue puro não há. Ele pode se dar ao luxo de dizer o que diz
Assim sendo não sobra outra conclusão: Ou a vaca esta morta ou estão mortos, dentro da vaca, todos os que se alojam naquele touro mecânico. E assim todos nos divertimos, e sofremos as conseqüências desse rodeio.
E a vaca? Continua morta. E, como está morta, não representa a população.
Neri de Paula Carneiro
Filósofo, Teólogo, Historiador
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